O homem é atirado do alto de uma ponte. Quem comete o crime é um policial. A cena foi vista e revista infinitas vezes. No Brasil e no mundo.
Com uma das mãos no cangote e outra nas pernas do homem, o policial levanta o corpo e o arremessa na escuridão. É como se descartasse um saco de lixo, um resto de qualquer coisa. De tão assustadora, a imagem grita por si, nem precisa de áudio.
Mas houve, sim, um diálogo, também estarrecedor. Falou assim o PM Luan, 29 anos: “Você tem duas opções, ou pula da ponte ou então eu jogo você e sua motocicleta daqui.”
Marcelo, 25 anos, tentou se explicar: “mas eu não sou ladrão e minha moto não é roubada, não tem porque fazer isso.”
O policial Luan não queria ladainha. Da moto teve pena, do cidadão não.
Marcelo caiu de uma altura de pelo menos 3 metros. O manobrista, que também é entregador, já tinha sido agredido com vários golpes de cassetete ao ser parado pelo grupo de PMs.
Na beira do córrego poluído, Marcelo, enfim, começou a dar sorte. Moradores de rua, que se abrigavam ali ajudaram o manobrista. Perguntaram se ele estava bem e apontaram um atalho para que fugisse. Gente desconhecida, mas experiente em se proteger de todo tipo de covardia.
A segurança de Marcelo não estava em cima da ponte, estava embaixo.
Outro desconhecido viu Marcelo com a cabeça sangrando pelas cacetadas que recebeu. Parou o carro e o levou ao posto de saúde. É o que conta o boletim de ocorrência.
De novo, foi um anônimo e não a polícia a salvar a vítima.
O policial Luan, que dias depois foi preso, não estava sozinho. Outros PMs participavam da operação e assistiram inertes. Mesmo depois da queda, nenhum deles tenta resgatar Marcelo, prestar socorro, ninguém reclama com o colega de tamanha crueldade. É o que mostra o vídeo.
O mês de dezembro começou em São Paulo com uma avalanche de imagens escabrosas. Em alguns casos policiais e moradores se enfrentam como numa briga de rua. Rolam no chão, se agarram, se xingam. Uma briga desigual, em que mulheres e pessoas mais velhas são agredidas. Na maioria dos casos, a polícia poderia evitar o confronto, também é treinada pra isso. Só que não.
A idosa aparece com o rosto ensangüentado depois de levar uma surra de PMs dentro da própria casa. Ela tentava defender o filho e o neto, que enfrentaram os agentes. O ladrão de sabão em pó foi morto com dez tiros por um PM de folga, que fazia segurança num mercado. Deitada na calçada, a mulher já está dominada por dois policiais e leva socos na cabeça. Outra está imobilizada e recebe tapas no rosto de uma PM.
Existem bons e boas policiais. Aliás, excelentes. Eu conheço muitos. Em várias reportagens ouvi vítimas de sequestro ou assalto contando que a chegada da polícia foi o momento mais feliz de suas vidas.
Também vi PMs fazer partos, evitar suicídios, arriscar a vida para salvar pessoas e também animais em perigo.
Taí uma das profissões mais difíceis do mundo. A altíssima taxa de suicídio mostra o grau de tensão a que os homens e as mulheres da lei são submetidas.
São os bons policiais que mais perdem quando os que usam a farda mudam de lado. É preciso que a banda podre seja punida e expulsa.
Em São Paulo, o governador Tarcisio de Freitas disse há algum tempo sobre as denúncias de grupos de direitos humanos apresentadas à ONU: "tô nem aí!" Também foi contra o uso de câmeras corporais pela tropa. Diante da sucessão de denúncias, se arrependeu e pediu desculpas.
Prefiro ouvir as palavras de Consuelo, caixa de supermercado e mãe de família. Numa dessas TVs espalhadas pela cidade, ela viu a reportagem do PM que atirou o trabalhador do alto da ponte e comentou com tristeza.
“Antigamente, a gente só tinha medo do bandido.”
*Luis Cosme Pinto é autor de Birinaites, Catiripapos e Borogodó, que foi semifinalista do prêmio Jabuti 2024.
**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.