Jair Bolsonaro vai fugir. Podem anotar isso. Não é um fato consumado, mas toda a lógica mostra tal desfecho e ele, sem qualquer pudor, admitiu a intenção em entrevista à Folha de S.Paulo nesta quinta-feira (28). Pois é, a mesma Folha que ele atacou e ameaçou por quatro anos, inclusive segurando uma cópia da primeira página do jornal no cercadinho de apoiadores do Palácio do Alvorada, durante seu mandato, dedicando a ela um rosário de insultos. Agora, a Folha serve de porta-voz a um golpista assumido.
“Embaixada, pelo que vejo na história do mundo, quem se vê perseguido, pode ir para lá... Se eu devesse alguma coisa, estaria nos Estados Unidos, não teria voltado”, respondeu ele ao entrevistador quando questionado sobre correr da responsabilidade nas ações que enfrenta na Justiça. Bolsonaro já fugiu para uma embaixada, no caso a da Hungria, no começo deste ano, em pleno carnaval, quando a decretação de sua prisão preventiva era iminente. Fui filmado se escondendo como um rato, com o travesseiro debaixo do braço. Ao sair, deu uma desculpa vergonhosa e infantil, como de costume.
A divulgação esta semana do relatório final da Polícia Federal sobre a trama para perpetrar um golpe de Estado no Brasil, mantendo-o no poder após a derrota eleitoral para Lula, apenas serviu de cereja do bolo num episódio repleto de provas e de conhecimento público muito antes do inquérito ser concluído pelas autoridades. O mundo já sabia de seus planos e as toneladas de bobagens pseudoargumentativas que invadem as redes para tentar isentá-lo de culpa servem apenas às hostes de seguidores fanáticos que o veneram.
Espécie de cosplay de Augusto Pichonet com QI parco, Bolsonaro notabilizou-se nas últimas quatro décadas por falar coisas dantescas e por estar sempre relacionado, assim como os filhos, em acusações de desvios e “pequenos delitos” típicos do baixo clero parlamentar brasileiro. Trambiques com imóveis, histórias envolvendo gasolina e gastos de verba de gabinete, rachadinhas com funcionários fantasmas, enfim, toda sorte de supostas miudezas delitivas. O que sempre foi expressivo em seu vocabulário, no entanto, são as ameaças de golpe e a empolgação com que fala de ditadores e ditaduras.
Uma vez no poder máximo, na Presidência da República, perambulou quatro anos como uma alma penada chiliquenta durante um mandato caótico que se preocupou apenas em alimentar as paranoias grotescas que habitam a mente de seus súditos fundamentalistas. Perdeu a reeleição e acabou perdendo junto o rumo de casa. Era preciso ficar no cargo e agora sim dar um golpe, de verdade.
Dois então comandantes das Forças Armadas, o general Marco Antônio Freire Gomes e o tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, respectivamente do Exército e da Aeronáutica, já o deduram sem rodeios ou meias-palavras. Ele os chamou para propor um golpe de Estado, deu uma “minuta” rocambolesca que serviria com um simulacro de AI-5 versão 3.0 para que fosse lida, e então recebeu um sonoro não dos dois militares. Apenas o comandante da Marinha, o almirante Almir Garnier Santos, teria topado e se excitado com o plano de arruinar o sistema democrático do país, recuperado a duras penas depois de 21 anos de ditadura militar, há quase quatro décadas.
Seu ajudante de ordens era como uma telefonista do golpe. Flagrado em dezenas e dezenas de diálogos criminosos com inúmeros interlocutores das mais variadas patentes, o tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid tratava abertamente do que seria preciso fazer para que o chefe continuasse no poder. O general Augusto Heleno, do GSI, anotava em seu caderninho (apreendido) cada passo para a guerra psicológica conseguir adesão, convencendo o povo, a imprensa e o mundo. Algo que, de tão infantil, merecia até gargalhadas. Só que a coisa era muito mais séria.
Um plano para assassinar o então presidente eleito Lula, seu vice, Geraldo Alckmin, e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, era tramado por um general da reserva que era o número dois na Secretaria-Geral da Presidência da República, com o plano impresso dentro da sede da chefia do Estado brasileiro. A reunião para levar a cabo o morticínio ocorria na residência do vice na chapa de Bolsonaro derrotada na eleição, o general de Exército Walter Braga Netto, que foi também ministro da Defesa e da Casa Civil, o homem mais próximo e diretamente ligado ao então presidente.
Esse resumo em tom professoral serve apenas para embasar a tese insuperável e inquestionável de que Jair Bolsonaro será condenado e enviado à prisão em pouco tempo. Isso é tão verdadeiro que ele, tendo tal consciência, admitiu ao repórter da Folha que fugirá numa boa para a embaixada de algum país de governo de extrema direita. Sair do país seria mais difícil, tendo em vista que sua cara é conhecida em qualquer lugar e ele está sem o passaporte, mas se enfiar numa dessas representações diplomáticas seria moleza, como já fez.
Quando isso ocorrer, virá em nossas bocas um gosto amargo de bundamolismo. Sim, um bundamolismo que nos impedirá mais uma vez de fazer a coisa certa, de cumprir a lei e de produzir justiça. É até difícil entender que medo é esse que tantas autoridades têm de um homem tão limítrofe e patético, ainda que ele seja perigoso e ardiloso.
Como inúmeros juristas vêm afirmando após a declaração dada por Bolsonaro à Folha, de que fugirá para não cumprir sua pena de prisão, tal admissão já é mais do que suficiente para a decretação de uma prisão preventiva como medida cautelar objetivando não perder o acusado de vista.
Mas não, mais uma vez nada será feito. A coisa inevitavelmente permanecerá assim até o dia em que acordaremos e receberemos a notícia de que Bolsonaro cruzou o portão de uma tal embaixada, onde permanecerá insuflando sua matilha de beócios e ameaçando a democracia no Brasil. Sim, Bolsonaro fugirá e ao nosso bundamolismo caberá apenas lamentar.