O número de professores que recorrem à licença devido à exaustão só aumenta. “Em 2020, ele era de 26%; em 2021, subiu para 47,8%; e agora em 2022, caiu para 33,3%”.[1] “112 professores são afastados por dia em SP por problemas de saúde mental; aumento de 15% em 2023”.[2] “Estado do Rio: 25% dos servidores da Educação licenciados por motivo de saúde têm depressão ou ansiedade”.[3] Basta ir em qualquer buscador na internet que notícias como estas irão saltar aos olhos.
É muita audácia do prefeito Eduardo Paes, em meio aos movimentos que tomam o país pelo fim da escala 6x1, aumentar a carga horária dos professores em sala de aula. Os educadores de 16 horas, que tinham 6 horas de planejamento, terão apenas 4, enquanto que os docentes de 40 horas, que tinham 14 tempos para planejar, agora terão 8. O que vai acontecer é um aumento no número de turmas atendidas pelo mesmo professor, uma demanda de cerca de 100 alunos a mais (cada turma tem em média 35 alunos).
Contra isso e outras questões do “pacote de maldades” promovido pelo governo de Eduardo Paes, o SEPE-RJ decreta greve para os profissionais de educação a partir do próximo dia 25 pela retirada do PLC 186.[4]
Tudo indica que após ter gasto muito dinheiro com obras para se reeleger, o prefeito precisou cortar gastos, e o seu primeiro alvo foram os profissionais da educação. Aumentando a carga horária, não haverá a necessidade de chamar os concursados. Além disso, Paes aumentou o tempo de duração dos contratos: de três anos para seis.
Além de ser, entre os profissionais com ensino superior, o que tem o menor salário, “o processo de intensificação do trabalho vivido pelos docentes das escolas públicas brasileiras na atualidade pode, além de comprometer a saúde desses trabalhadores, pôr em risco a qualidade da educação e os fins últimos da escola”.[5] Se o professor precisava dar aulas em várias escolas para complementar sua renda, com o aumento da sua carga horária, o sacrifício para sobreviver tende a aumentar.
Quando, em 1980, Hebert Freudenberg cunhou o termo “Burnout”, ele poderia não ter o professor em mente, mas é fato que a jornada exaustiva que esgota os profissionais da educação, assemelha-se a “uma lâmpada que queima”. Essa correria prejudica a qualidade das aulas e muitos professores adoecem, frustram-se com a carreira de modo que “a distância intransponível entre os ideais intermináveis que eles têm em mente e sua realização impossível, [leva a um] tenaz impedimento de um projeto de vida, até o surgimento da prostração”.[6]
E a contradição se instala: ao mesmo tempo em que se difunde uma grande expectativa depositada nele (professor) de que cumpra seu destino como agente de mudança, esse “reconhecimento” social não está vinculado à valorização dos salários e da carreira. As palavras da professora Áurea Costa descrevem perfeitamente a situação: “Hoje, o trabalho do professor é um sacrifício. Cada vez mais ele se sujeita para obter os proventos necessários à satisfação das suas necessidades imediatas.
Como pode haver fruição, satisfação, num trabalho em que o professor deve correr de escola em escola para cumprir sua jornada, submeter-se aos maus-tratos dos alunos e às legislações abusivas, que retiram seus direitos, nas escolas públicas; trabalhar sem condições mínimas necessárias, assumir tarefas extras, não relacionadas ao processo de ensino, exercer o magistério em condições de deterioração da sua saúde física e mental?”.[7]
Suéller Costa em uma pesquisa que mostra a falta de tempo do professor para si, destaca algumas falas importantes destes trabalhadores. Dentre os diversos comentários, um dos professores afirma que “muitos profissionais estão ficando doentes, pois, enquanto não tivermos uma carga horária digna e o merecido reconhecimento, não teremos uma vida melhor”. Um outro relatou: “Procuro não levar trabalho para casa para separar o lado profissional do pessoal, mas, como professora, essa missão é quase impossível”.[8]
Depois querem que o Brasil tenha um bom desempenho nos exames internacionais, como é o caso do Programme for International Student Assessment (Pisa). Aliás, a imprensa adora reportagens sobre a qualidade do ensino brasileiro em comparação com outros países. Daniel Cara destaca que “sem entrar no mérito daquilo que é efetivamente mensurado pelo Pisa, a questão é que suas medidas não levam em conta as condições de trabalho dos educadores, que enfrentam baixas remunerações, carreiras pouco atrativas, salas de aula superlotadas e escolas com infraestrutura indigna”.[9] Os liberais dizem querer melhorar a educação, mas querem cortar gastos no setor. É a hipocrisia endêmica da imprensa e da classe dominante do país.
Contra essa hipocrisia só resta a organização dos professores junto com a população. Como nos ensinou Paulo Freire: “A luta dos professores em defesa de seus direitos e de sua dignidade deve ser entendida como um momento importante de sua prática docente, enquanto prática ética. Não é algo que vem de fora da atividade docente, mas algo que dela faz parte”.[10] Exercer mal a profissão de professor como retaliação não é uma solução, é um desrespeito à profissão e aos educandos. “A minha resposta à ofensa à educação”, continua Freire, “é a luta política consciente, crítica e organizada contra os ofensores”.[11]
[1] https://www.google.com/amp/s/www1.folha.uol.com.br/amp/educacao/2022/10/com-volta-as-aulas-dispara-numero-de-educadores-que-pensaram-em-se-afastar-devido-a-saude-mental.shtml
[2] https://www.google.com/amp/s/g1.globo.com/google/amp/sp/sao-paulo/noticia/2023/09/05/112-professores-sao-afastados-por-dia-em-sp-por-problemas-de-saude-mental-aumento-de-15percent-em-2023.ghtml
[3] https://oglobo.globo.com/blogs/ancelmo-gois/post/2023/04/estado-do-rio-25percent-dos-professores-licenciados-por-motivo-de-saude-tem-depressao-ou-ansiedade.ghtml
[4] https://seperj.org.br/category/municipal/
[5] ASSUNÇÃO, Ada Ávila; OLIVEIRA, Dalila Andrade. Intensificação do trabalho e saúde dos professores. Educação e Sociedade. Vol.30, n.107, 2009, p. 367.
[6] VIGARELO, G. História da fadiga. Petrópolis: Vozes, 2022, p. 425.
[7] COSTA, A. Entre a dilapidação moral e a missão redentorista. ______ et. all. A proletarização do professor. São Paulo: Editora Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2009, p. 76.
[8] COSTA, S. A rotina pedagógica na educação básica diante da aceleração social do tempo. CITELLI, A. ( org.) Educomunicação: os desafios da aceleração social do tempo. São Paulo: Paulinas, 2017, p. 73.
[9] CARA, D. Contra a barbárie, o direito à educação. CÁSSIO, F. (org.) Educação contra a barbárie. São Paulo: Boitempo, 2019, p. 28.
[10] FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996, p. 74.
[11] Id., p. 75.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da revista Fórum.