A abstenção média nas eleições municipais, nos dois turnos, foi de 30%, em todo o país. Em Porto Alegre, 34,83% do eleitorado não foi às urnas na segunda volta. É percentual de país onde o voto não é obrigatório. Numa cidade castigada por uma catástrofe ambiental, um terço dos eleitores não viu razões para escolher alguém, sinal não apenas de desencanto, mas da disfuncionalidade da política institucional. Cada qual deve se virar, pois ninguém resolverá coisa alguma. A democracia, como dizia Sérgio Buarque, torna-se ornamental para milhões. É muito grave.
Governistas e ilusionistas de plantão minimizam o problema. "O PIB cresce, o emprego aumenta e a renda se expande". Sim, igualzinho ao primeiro trimestre de 2013. Dois meses depois, o Brasil explodiria em ruidosos protestos. Até hoje não formulamos explicações convincentes para aqueles eventos. "Tout va très bien, madame la marquise", dizia a cançoneta francesa, tudo ia muito bem até a erupção popular. Bolsas disso e daquilo e empregos precários aliviam, mas não resolvem problemas seculares, por mais que palavrórios manhosos de líderanças carismáticas digam o contrário, em meio a juras de ajustes que a todos salvarão.
Os indicadores objetivos possivelmente não captem um mal-estar oculto ou frustrações subjetivas que esperavam um fósforo aceso para explodir.
O desencanto pela política revelado pelas urnas também não aparece em gráficos ou tabelas, mas ele existe e se manifesta com ênfase e de forma crescente, pleito após pleito. O que significa e o que pode acarretar tamanho desinteresse?
É decisivo refletir sobre essa questão. Podemos estar diante de um novo junho de 2013, silencioso e oculto, mas perigosamente grandioso. O governo federal e as administrações estaduais e municipais deveriam tomar muito cuidado com os fósforos.