Um olhar sereno para o resultados das eleições municipais não deixa margem a dúvidas: a extrema direita e a chamada direita tradicional (o Centrão) foram as grandes vencedoras. A esquerda e a centro-esquerda não foram bem; o PT sonhava com uma recuperação depois de um resultado quase desastroso em 6 de outubro, mas ela não veio; o PSOL apostou todas as fichas do partido na eleição de São Paulo e colheu uma derrota acachapante - não elegeu Guilherme Boulos e sequer um prefeito no resto do país.
As avaliações róseas sobre a performance especialmente do PT feitas por analistas políticos de segmentos progressistas não se sustentaram 24 horas: explodiu uma verdadeira guerra nuclear no comando do partido e do governo Lula com cada protagonista empurrando para o outro a responsabilidade pelo resultado. Se o cenário fosse de vitória, como apregoraram tais analistas, qual a razão para a guerra e acusações mútuas? Há vários protagonistas na guerra intestina, mas os dois mais destacados são a própria presidenta do partido, Gleisi Hoffmann, e o ministro da Articulação Institucional do governo Lula, Alexandre Padilha - leia aqui.
Ao fim do primeiro turno, escrevi um artigo-avaliação aqui na Fórum sob o título “PT e esquerda colhem derrota no primeiro turno; PL de Bolsonaro e Centrão saem vitoriosos”, iniciado com o seguinte parágrafo: “Há divergências entre os analistas de esquerda na leitura dos resultados do primeiro turno das eleições municipais. Alinho-me com aqueles e aquelas que apontam uma derrota dura do PT que poderá, entretanto, ser amenizada a depender dos resultados do segundo turno. É forçoso reconhecer que a direita e a extrema direita cresceram fortemente.”
O segundo turno aprofundou as tendências verificadas no primeiro. Os números são indesmentíveis.
Preparei alguns quadros com os quais busco apresentar um balanço das eleições e em particular do segundo turno para que cada leitor/leitora tenha dados para fazer sua avaliação.
Os números globais (quantitativos) sofreram poucas alterações, pois houve segundo turno apenas em 51 municípios, no total global de 5.570 do país -se quiser saber mais sobre esses números da massa dos municípios, leia o artigo sobre o primeiro turno (o link está logo acima).
Vou me concentrar nos números de qualidade, ou seja, os 51 municípios de médio/grande porte onde houve segundo turno e nas capitais. Além disso, um olhar para os 103 municípios e capitais com mais de 200 mil eleitores, independentemente de a definição ter ocorrido no primeiro ou segundo turno. É neles que se estabelecem as dinâmicas das correntes de opinião e polarização que dão as cores da política nacional.
As capitais
O primeiro olhar é para as capitais. Veja o quadro:
O recorte partidário das 26 eleições nas capitais anota: 5 eleitos pelo PSD e mais 5 pelo MDB; 4 pelo PL e outros 4 pelo União Brasil; PP e Podemos elegeram 2 cada; finalmente, PT, PSB, Republicanos e Avantes, 1 cada.
Entretanto, um olhar apenas para a filiação partidária de cada prefeito(a) é insuficiente para revelar 1) a orientação político-ideológica de cada um deles; 2) a relação deles com o governo Lula. Por isso, fiz dois outros recortes, buscando identificar neste grupo de 26 como são as afinidades político-ideológicas e a relação com o governo federal. Para exemplificar: foram 5 eleitos pelo MDB. Mas há uma diferença expressiva entre o prefeito eleito de Belém, Igor Normando, primo do governador Helder Barbalho, ambos de centro-direita e alinhados até a medula com Lula, e Ricardo Nunes e Sebastião Melo, ambos de extrema direita e que compõem a oposição ao governo federal. Assim acontece nas demais siglas de direita ou centro-direita. Foi o que fiz, examinando nome a nome dos prefeitos eleitos ou reeleitos.
Uma análise capital a capital indica que, dos 26 eleitos(as), 13 são de extrema direita, 11 de direita/centro-direita e apenas dois do universo da centro-esquerda (não é possível dizer que Evandro Leitão ou João Campos sejam propriamente de esquerda). Quando o recorte é referido à relação com o governo Lula, um dos integrantes do bloco de direita/centro-direita (ou Centrão) pula a cerca para se compor com a extrema direita na oposição: o prefeito reeleito de Salvador, Bruno Reis, do grupo carlista. Importante registrar que o oposicionismo de um prefeito é de tom diferente do dos deputados federais e senadores. Aqueles dependem crucialmente de verbas federais e precisam matizar suas posições; estes têm a garantia das emendas e mantêm autonomia crítica quase total.
Portanto, nas capitais, impossível negar a vitória expressiva da extrema direita, que conseguiu eleger mais prefeitos até que o poderoso Centrão.
As 51 cidades com 2°TURNO e as 103 maiores
No total, foram 51 municípios com mais de 200 mil eleitores em que houve segundo turno (incluídas as capitais). Agrupei, mais uma vez, os eleitos conforme suas filiações partidárias mas com olhar dedicado às afinidades ideológicas entre a extrema direita, a direita/centro-direita (Centrão) e a esquerda/centro-esquerda -se quiser saber quem são os eleitos um a um leia aqui. Veja o quadro:
São 28 de direita/centro-direita (filiados ao PSD, Podemos, PP, PSDB, UB, MDB e Avante), 17 de extrema direita (espalhados pelo PL, UB, Republicanos, MDB e Novo) e apenas 6 de esquerda/centro esquerda (quatro do PT e dois do PDT).
Ampliando o olhar para os 103 maiores colégios eleitorais do país (em 51 houve segundo turno; em 52, não), o cenário é similar. Veja o quadro:
Não consegui examinar um a um (como fiz nas capitais e 51 municípios onde houve segundo turno) os 52 eleitos em primeiro turno e identificar afinidades político-ideológicas para além das siglas partidárias. Somando os eleitos pelas legendas de extrema direita, direita e centro direita, a hegemonia é impressionante. São 93, contra apenas 10 de esquerda e centro-esquerda (6 do PT, 2 do PSB e 2 do PDT). Sem conseguir analisar o recorte político-ideológico de todas as cidades, estimei, no universo global da direita, cerca de 30% de eleitos de extrema direita. Amenizei um pouco a presença da extrema direita nos 103 maiores municípios - deixando um pouco abaixo dos 40% presentes nos cenários dos 51 municípios onde houve segundo turno. Se a hipótese estiver próxima da realidade, a extrema direita terá 38 prefeitos nas 103 maiores cidades, contra 55 da direita + centro-direita.
Ou seja: nas 103 maiores cidades do país, capitais e principais centros urbanos, onde pulsa o coração político nacional, a direita + centro-direita (Centrão) terá 57% das prefeituras, a extrema direita governará 37%, restando à esquerda + centro-esquerda apenas 9%.
Creio que apresentei uma descrição honesta do cenário das eleições nas capitais e grandes cidades do país. Nos próximos dias escreverei outro artigo, sobre o embate direto entre a extrema direita e a esquerda/centro-esquerda. Além disso, pretendo apresentar a queda de braço entre o presidente Lula e Jair Bolsonaro, examinando suas vitórias e derrotas.
Uma nota final: não escrevi uma vez sequer as palavras bolsonarismo e lulismo no artigo acima. Esta eleição apresentou uma grande novidade no cenário político nacional: a expansão dos limites da extrema direita para muito além do que convencionamos denominar bolsonarismo. Quanto à esquerda/centro-esquerda, ainda reúne-se sob o grande guarda-chuva do lulismo. Temas para o próximo texto