CRÔNICA

Para que serve um guarda-chuva? – Por Luis Cosme Pinto

Numa noite molhada descobri as melhores utilidades de um guarda-chuva

Imagem ilustrativa.Créditos: Pixabay
Escrito en OPINIÃO el

Chuva fina, miúda. Em São Paulo diriam:

- É garoa.

Ali, naquela calçada, apenas úmida do Leblon, o sotaque que tempera mineirês com carioquês, pronuncia outras palavras.

- É chuvisqueiro, molha não.

- Serve só pra respingar os óculos.

Os dois turistas usam as camisetas para secar as lentes e enxergar o caminho do mar. Porém, a inimiga ganha força e eles desviam para a padaria.

Como falam no Rio, “a chuva apertou.”

Não é que ficou mais forte, que virou chuvarada. Nada disso, apertou. Apertou o quê? Até hoje não entendi. Assim como não sei a razão do “choveu canivete”, que os mais antigos repetiam quando despencava o aguaceiro.

Nenhuma cidade se entristece com a chuva como o Rio de Janeiro. Sem sol, a praia perde o encanto, a sandália havaiana fica no armário, o chopp esquenta, o amor esfria.

Bem secos, minha cunhada e meu irmão riem do folclore protegidos por poderosos guarda-chuvas. Largos, têm hastes fortes e tecido resistente; não se dobram a qualquer ventania nem temem a teimosia da chuva.

Os dois chegam ao prédio em que moram e veem uma mulher ensopada. Cabelos molhados, roupa grudada ao corpo e o que parece uma mochila, em vez de pendurada nas costas está na frente do peito. Tudo coberto por um casaco folgado e sem capuz.

Meu mano e minha cunhada oferecem ajuda.

A mulher, Patrícia, conta que o carro está a uns 200 metros e que ela parou ali para se proteger porque caminhou outros tantos metros debaixo d’água

Então, abre o casaco. Que surpresa: o que parecia ser a mochila é um cestinho com um bebê de olhos vivos e a cabecinha enfeitada com cabelos mais pretos que a noite. Cristiano, de no máximo 3 meses, está seco e sereno, mas a mãe tem medo que a chuva aumente.

Meu irmão resolve o problema.

- Leve o guarda-chuva.

- Não posso.

- Pode sim. Ele é meu e eu te empresto.

- Como faço pra devolver?

- Amanhã você passa aqui e deixa na portaria. Meu nome é Luis Roberto.

- É que amanhã...

- Devolva quando quiser.

Minha cunhada, a Beth, reforça.

- Nós temos outros, não se preocupe. Leva, por favor.

- Beth e Roberto, quanta gentileza. Eu aceito.

Patrícia beija Cristiano, fecha o casaco, abre o guarda-chuva e dobra a esquina.

No dia seguinte, de céu ainda carrancudo, o porteiro avisa que junto com o guarda-chuva chegou um presente.

Uma caixa tão bem embrulhada e com laço de fita de seda que dá até pena de abrir. Acomodadas numa espécie de camurça preta, 8 trufas. Chocolate de uma marca famosa e saboroso como os artesanais. É delicado como o bilhete, que acompanha o pacote.

Com letra redonda e azul, Patricia escolheu as palavras. Poucas e certeiras.

“Luis Roberto e Beth,

Muito obrigado pela gentileza em emprestar o guarda-chuva ontem. Chegamos em casa bem :)

Esperamos que esses bombons adocem um pouco seu dia e que vocês possam aproveitá-los em um café com seus amigos.

Um grande abraço, Patrícia e Cristiano.”

Até então, acreditava que guarda-chuva existia pra nos proteger da água e do sol.

Errei. Guarda-chuva aproxima desconhecidos, gera gentileza, provoca sorrisos, semeia amizades.

Com sorte, ainda é possível se deliciar com chocolate e mandar o Cristiano pra casa bem quentinho.

*Luis Cosme Pinto é autor do livro de crônicas Birinaites, Catiripapos e Borogodó, da editora Kotter, que nesta terça-feira, 19/09, será lançado em Bauru, no interior paulista.

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.