Chuva fina, miúda. Em São Paulo diriam:
- É garoa.
Ali, naquela calçada, apenas úmida do Leblon, o sotaque que tempera mineirês com carioquês, pronuncia outras palavras.
- É chuvisqueiro, molha não.
- Serve só pra respingar os óculos.
Os dois turistas usam as camisetas para secar as lentes e enxergar o caminho do mar. Porém, a inimiga ganha força e eles desviam para a padaria.
Como falam no Rio, “a chuva apertou.”
Não é que ficou mais forte, que virou chuvarada. Nada disso, apertou. Apertou o quê? Até hoje não entendi. Assim como não sei a razão do “choveu canivete”, que os mais antigos repetiam quando despencava o aguaceiro.
Nenhuma cidade se entristece com a chuva como o Rio de Janeiro. Sem sol, a praia perde o encanto, a sandália havaiana fica no armário, o chopp esquenta, o amor esfria.
Bem secos, minha cunhada e meu irmão riem do folclore protegidos por poderosos guarda-chuvas. Largos, têm hastes fortes e tecido resistente; não se dobram a qualquer ventania nem temem a teimosia da chuva.
Os dois chegam ao prédio em que moram e veem uma mulher ensopada. Cabelos molhados, roupa grudada ao corpo e o que parece uma mochila, em vez de pendurada nas costas está na frente do peito. Tudo coberto por um casaco folgado e sem capuz.
Meu mano e minha cunhada oferecem ajuda.
A mulher, Patrícia, conta que o carro está a uns 200 metros e que ela parou ali para se proteger porque caminhou outros tantos metros debaixo d’água
Então, abre o casaco. Que surpresa: o que parecia ser a mochila é um cestinho com um bebê de olhos vivos e a cabecinha enfeitada com cabelos mais pretos que a noite. Cristiano, de no máximo 3 meses, está seco e sereno, mas a mãe tem medo que a chuva aumente.
Meu irmão resolve o problema.
- Leve o guarda-chuva.
- Não posso.
- Pode sim. Ele é meu e eu te empresto.
- Como faço pra devolver?
- Amanhã você passa aqui e deixa na portaria. Meu nome é Luis Roberto.
- É que amanhã...
- Devolva quando quiser.
Minha cunhada, a Beth, reforça.
- Nós temos outros, não se preocupe. Leva, por favor.
- Beth e Roberto, quanta gentileza. Eu aceito.
Patrícia beija Cristiano, fecha o casaco, abre o guarda-chuva e dobra a esquina.
No dia seguinte, de céu ainda carrancudo, o porteiro avisa que junto com o guarda-chuva chegou um presente.
Uma caixa tão bem embrulhada e com laço de fita de seda que dá até pena de abrir. Acomodadas numa espécie de camurça preta, 8 trufas. Chocolate de uma marca famosa e saboroso como os artesanais. É delicado como o bilhete, que acompanha o pacote.
Com letra redonda e azul, Patricia escolheu as palavras. Poucas e certeiras.
“Luis Roberto e Beth,
Muito obrigado pela gentileza em emprestar o guarda-chuva ontem. Chegamos em casa bem :)
Esperamos que esses bombons adocem um pouco seu dia e que vocês possam aproveitá-los em um café com seus amigos.
Um grande abraço, Patrícia e Cristiano.”
Até então, acreditava que guarda-chuva existia pra nos proteger da água e do sol.
Errei. Guarda-chuva aproxima desconhecidos, gera gentileza, provoca sorrisos, semeia amizades.
Com sorte, ainda é possível se deliciar com chocolate e mandar o Cristiano pra casa bem quentinho.
*Luis Cosme Pinto é autor do livro de crônicas Birinaites, Catiripapos e Borogodó, da editora Kotter, que nesta terça-feira, 19/09, será lançado em Bauru, no interior paulista.
**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.