SECOS & MOLHADOS

O primeiro álbum dos “Secos & Molhados” completa 50 anos ainda repleto de futuro

Há meio século, o primeiro álbum de Ney Matogrosso e sua banda enfureceu a ditadura e encantou a juventude como símbolo de enfrentamento e libertação

O grupo Secos & Molhados.Créditos: Divulgação
Escrito en OPINIÃO el

Neste mês de agosto, o álbum “Secos & Molhados”, da banda homônima – aquele em que estão na capa suas cabeças expostas um uma mesa repleta de produtos – completa 50 anos de lançamento. É muito difícil tentar traduzir aos mais jovens a explosão que foi aquilo. Ou as explosões, pois elas vinham de todos os lados.

Vinham das legiões de jovens que se apaixonaram incondicionalmente por aquele grupo repleto de mistério, irreconhecivelmente maquiados, andróginos, com um som moderno, bonito, cheio de poemas consagrados lindamente musicados, guitarras elétricas e até mesmo sintetizadores, uma absoluta novidade para a época.

Vinham explosões dos caretas e alguns pais, que abominavam o rebolado visceral, extremamente hábil e coreografado do cantor Ney Matogrosso, além, é claro, de sua doce e linda voz de tenor, quase soprano. Um luxo que perdura até hoje.

Vinham explosões de fúria da ditadura militar e seus seguidores. Vinham, enfim, explosões de todos os lados. Em torno deles havia uma única e absoluta unanimidade: ninguém ficava indiferente.

O disco era pra ser um projeto modesto. Lançado pela gravadora Continental, especializada principalmente em música caipira, era uma das poucas brasileiras em um mercado cada vez mais dominado por multinacionais. A tiragem inicial foi de 1.500 discos e a expectativa era vender tudo em um ano. Durou uma semana. O disco bateu um milhão de cópias e continua vendendo até hoje, 50 anos depois.

A modéstia não para por aí. O álbum foi todo gravado em apenas quatro canais, durante 15 sessões de seis horas cada. E, como todo grande disco de música pop, guardou em si uma enorme mitologia que envolve desde a capa, figurinos, danças e coreografias até, é claro, a musica excelente, antenada com o rock e o pop da época, mas com os pés fincados na moderna música brasileira.

Talvez um dos grandes segredos dos Secos & Molhados e o grande sucesso, sobretudo desse primeiro disco, esteja exatamente neste ponto. Era um grupo de música popular brasileira embrulhado como uma banda de rock. Com uma atitude rock and roll, o que para a época era uma coisa imprescindível.

E o repertório do álbum é excelente. O líder e idealizador do grupo, o português radicado no Brasil João Ricardo é um compositor de mão cheia. Filho do poeta e jornalista João Apolinário, trouxe para o repertório vários poemas que acabaram musicados, como “Rondó do Capitão”, de Manuel Bandeira e, a mais famosa, “Rosa de Hiroshima”, de Vinícius de Moraes musicado por Gerson Conrad.

O disco foi completado por vários outros clássicos, entre eles “Sangue Latino”, “O Vira” e a linda “Fala”, parceria de João Ricardo com Luhli, da lendária dupla com Lucina. Era, enfim, um repertório forte, vigoroso, extremamente bonito, bem tocado e cantado, inclusive com ótimos vocais.

E, neste departamento, o grupo Secos & Molhados nos deixou como seu maior e mais efetivo legado o cantor Ney Matogrosso, um dos maiores artistas brasileiros de todos os tempos. Ele deixou o grupo logo após a gravação do segundo disco que, apesar de também ser excelente, não teve o mesmo sucesso do primeiro.

Ney sobreviveu aos Secos & Molhados, que nunca mais conseguiram sucesso. O cantor, ao contrário, mantém até hoje uma profícua carreira, repleta de ousadias, reviravoltas e novidades.

A despeito de tudo o que aconteceu depois, o álbum “Secos & Molhados”, de 1973, é um dos marcos da nossa vida brasileira. Um disco que será sempre festejado por tudo o que representou em um momento de enfrentamento no país. Mas, principalmente, pela excelente e inovadora música feita de futuro.