Hoje vou me permitir escrever sobre um tema-tabu para os cristãos: a legalização da maconha. Um tema espinhoso para um pastor, ainda mais tendo trabalhado e acompanhado de perto o trabalho de um “centro de recuperação de drogaditos” nos anos 90. Agora que o plenário do STF já atingiu maioria para a descriminalização de quem “adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo a maconha para consumo pessoal”.
Em primeiro lugar precisamos saber o que está sendo julgado no STF. A ação que está sendo analisada pela nossa Suprema corte analisa um recurso da Defensoria Pública de São Paulo que contesta a punição prevista especificamente para quem "adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal". A Defensoria apresentou a ação após um homem ser condenado por portar 3 gramas de maconha.
O que está sendo julgado, então, não é a LIBERAÇÃO DAS DROGAS no país e nem mesmo a liberação DESENFREADA da maconha, mas a DESCRIMINALIZAÇÃO de quem tem, PARA CONSUMO PRÓPRIO, a planta. E ainda propor uma definição de diferenciação entre o que caracterizaria esse consumo próprio do tráfico da droga, já que ela ainda não é legalizada. E aqui já deixo bem clara a minha posição para não deixar dúvidas ao leitor da Fórum: não somente sou favorável à descriminalização da maconha, como sua liberação e regularização.
Mas como assim um pastor a favor da liberação e regularização da maconha? E digo que é justamente por ter trabalhado numa dessas clínicas de reabilitação e, principalmente, por conhecer de perto várias cracolândias (do Rio, São Paulo, Minas e até mesmo da Paraíba – onde estou há pouco mais de dois anos) e OUVIR as histórias das pessoas que se encontram em situação de miséria por conta do vício em drogas mais pesadas. Vamos lá...
Uma grande mentira que por ser tão repetida parece verdade é a de que “a maconha é a porta de entrada para as outras drogas.” Não. Não é. Inúmeras pesquisas mostram isso. Só para citar uma, que consta na página do Baker Institute para Políticas Públicas da Rice University, “longe de ser uma ‘porta de entrada’ para o uso de drogas mais pesadas, como a cocaína e a heroína, a maconha não é, para a maioria das pessoas que a experimentam, nem mesmo uma porta de entrada para um maior consumo de maconha.”
Até porque o que deveria realmente ser pesquisado é o que leva as pessoas a buscarem o uso de drogas pesadas. Algumas pesquisas apontam como principais motivos de uso das drogas, entre outros, a curiosidade, a influência social, o histórico familiar e o alívio diante de angústias e dores físicas e mentais. Depois de mais de 30 anos pastoreando digo que este último é o maior de todos: a maioria das pessoas que encontrei em cracolândias têm histórico de abuso, abandono, depressão e, pasmem, muitas delas por abuso religioso e desencantamento com a fé, após serem vítimas da tríade medo-culpa-opressão que acontece em muitas igrejas.
Outro fator não menos importante é que a tal “guerra contra as drogas”, esta sim, é uma porta de entrada para a justificação do genocídio da juventude negra e pobre das periferias e favelas. Alguém sabe o que deu a investigação dos 450 QUILOS de pasta base de COCAÍNA encontrados no helicóptero de um senador, na fazenda do mesmo senador e que “apareceram ali” por acaso, pelo jeito. Nada foi feito. Da mesma forma o que deu dos 290 QUILOS de drogas apreendidas no AVIÃO DO PASTOR Josué Bengston, tio de Damares Alves? A guerra nunca foi contra as drogas! Mas contra o povo preto e pobre, que é preso com 3 gramas ou morto por “balas perdidas”.
Também não podemos deixar de falar na enorme influência direta dessa possível liberação/legalização no desencarceramento e alívio do sistema prisional brasileiro, com suas cadeias superlotadas, geralmente por conta do racismo estrutural que permeia toda essa política que se diz “contra as drogas” mas que, na verdade, nunca abandonou a mentalidade de Casa Grande e Senzala, e avaliza toda perseguição à juventude negra, negando-lhe a possibilidade de uma vida melhor e mantendo-os nas senzalas modernas: as cadeias brasileiras. Além de secar a fonte do comércio ilegal da maconha.
Além de tudo isso, a descriminalização da maconha e sua legalização acabam de vez por todas com a infame perseguição das alas “conservadoras” e “terrivelmente evangélicas” contra o canabidiol, substância presente na Cannabis sativa, e que constitui grande parte da planta, chegando a representar mais de 40% de seus extratos. O Canadibiol tem salvado vidas através do seu uso medicinal e no tratamento de diversas doenças, principalmente as que afetam o sistema nervoso. Ou seja, a liberação e legalização da maconha podem libertar e salvar vidas. Ao contrário da mentira pregada por tanta gente.
E, como pastor, eu procuro estar sempre ao lado da verdade e da libertação. “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”, diz um dos textos bíblicos que mais se ouviu nos últimos anos no Brasil, justamente para acobertar um sistema de mentiras e perversidades. A verdade é que me faz caminhar ao lado daqueles que lutam pela descriminalização, liberação e legalização da maconha. E trabalhar principalmente na libertação do povo se um sistema que oprime, lhes impõe culpa e medo e lhes faz procurar nas drogas pesadas alívio pras suas dores.
Sim, creio que Jesus liberta das drogas. Mas também creio que Jesus nos liberta dos sistemas religiosos opressores e mentirosos. Se todo camburão tem um pouco de navio negreiro, toda Cracolândia tem um pouco de igreja evangélica.
Só a verdade pode nos libertar!
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.