Na manhã desta terça-feira (4), ao abrir o Twitter para verificar o que estava acontecendo no Brasil e no mundo, a primeira coisa que surgiu na minha timeline foi a divulgação da nova campanha publicitária da Volkswagen, que anunciava sua linha de carros elétricos e também celebrava seus 70 anos de existência. Até aí, nada demais, apenas mais um dia no capitalismo, mas os problemas começam com o tema da campanha: um suposto "reencontro" de Maria Rita com sua mãe Elis Regina, falecida em 1982.
Ao assistir à campanha e ver Elis Regina cantando de dentro de uma Kombi, senti um profundo estranhamento. Uma sensação de profundo mal-estar. Afinal, estamos diante da maior cantora do Brasil, alguém que lutou contra a ditadura e que, antes mesmo de se tornar moda, já acreditava no lema de "um outro mundo é possível"... Será que ela concordaria em ser garota-propaganda da Volks?
Te podría interesar
Não é Elis Regina que está ali e, sinceramente, não há semelhança material. O que vemos dentro da Kombi parece um boneco de plástico com feições alienígenas. É equivocado e profundamente cafona.
Tudo está errado nessa campanha publicitária: "ressuscitar" a cantora Elis Regina para colocá-la como "vendedora de carros" é uma vandalização de sua imagem e de tudo o que ela representa para a cultura e a política brasileira.
Carro elétrico não é um sonho
A escolha da música "Como nossos pais", composta por Belchior e eternizada na voz de Elis Regina, é outro erro, pois se trata de uma crítica profunda à inércia diante da mudança dos tempos: viver como nossos pais não é algo legal, mas profundamente nocivo. Parar no tempo é como estar morto.
Além disso, a transição do carro movido a combustível para o carro elétrico não representa uma "mudança", ambos são prejudiciais ao meio ambiente. É um insulto a Belchior e Elis que essa canção seja usada dessa maneira.
Existe também a questão ética: por mais que se argumente que Maria Rita tenha autorizado o uso da imagem de sua mãe para vender carros, Elis Regina não está mais aqui para permitir ou não que sua imagem seja utilizada para promover automóveis de uma empresa que teve relações suspeitas com o nazismo e a ditadura brasileira. Novamente, pergunto: Elis estamparia essa campanha?
Também não se trata de uma posição obstinada e contrária à Inteligência Artificial, pelo contrário, uma vez que é um caminho sem volta. No entanto, questiono a ideia de "ressuscitar" uma pessoa e usá-la em uma campanha publicitária que vai totalmente contra os valores defendidos por Elis ao longo de sua vida. Isso levanta outra questão: em um futuro próximo, será possível reescrever histórias e biografias por meio de simulações de IA?
Confira abaixo a campanha da Volks: