NORMANDO RODRIGUES

Padre primata, economista selvagem 

Pochmann é o tipo de ateu que contesta a religião liberal por saber que enquanto os “donos da casa” forem livres para fazer da economia o que bem entenderem, não haverá futuro para a humanidade, o meio ambiente e o planeta

O economista Marcio Pochmann, novo presidente do IBGE.Créditos: Agência Brasil
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Em 1969 o filósofo húngaro György Lukács, aos 84 anos de idade, concluiu sua “Ontologia do ser social”, obra somente publicada após sua morte em 1971.

Dos muitos aspectos tratados na “Ontologia”, um dos mais úteis à crítica de nossa realidade é a percepção de que a ideologia dos ricos, dos “donos da casa”, faz da economia uma “segunda natureza” que condiciona as relações sociais e domina os homens por meio do consumo. 

Uma “segunda natureza” insistentemente descrita como realidade imutável e autônoma em relação à vontade dos homens e na qual a sociedade e o estado não podem nunca tentar intervir. 

A verdade por trás dessa naturalização ideologizada que aboliu do nome da disciplina “economia” o indispensável “política”, é que a esfera econômica deve ser mantida sob intervenção exclusiva da escassa minoria de ricos que a controla, os “donos da casa”.

Não foi por outra razão que os serviçais dos “donos da casa” atacaram tão ferozmente a nomeação de Márcio Pochmann para o IBGE. Até o aposentado Edmar Bacha, que em tempos de melhor uso de sua massa cinzenta ilustrou a desigualdade brasileira com o “Belíndia”, se disse ofendido. 

O ataque não vem da ciência, mas da fé. Bacha e outros se tornaram sacerdotes inquisidores contra um acadêmico do porte de Pochmann não em defesa da razão ou do conhecimento, mas da religião que praticam, o liberalismo. Credo este que tem no ilusório “não intervencionismo” um dogma burro e absoluto, incapaz de resistir aos fatos.

Apenas para não irmos a outras datas da história econômica, em 1° de agosto de 1914 se iniciou a Grande Guerra (passados vinte anos, tornou-se a “1ª Mundial”), conflito durante o qual as principais potências beligerantes demonstraram na prática a funcionalidade e as limitações, os acertos e os problemas, de um alto grau de intervenção do estado na economia. 

Dez anos depois do Tratado de Versalhes, quando os “donos da casa” já recorriam à cadela do fascismo na Itália, foi o dogma da não intervenção o que impediu a pronta reação do governo americano à crise da bolsa, em outubro de 1929, o que por sua vez só aprofundou o problema, a ponto do crescimento econômico dos EUA só voltar aos mesmos níveis em 1938.

Pochmann é o tipo de ateu que contesta a religião liberal por saber que enquanto os “donos da casa” forem livres para fazer da economia o que bem entenderem, não haverá futuro para a humanidade, o meio ambiente e o planeta.

Em tempos de perigo fascista, esse alerta pode até parecer deslocado. Afinal, dar cabo do “Lulu da Pomerânia” hidrófobo será sempre uma prioridade. Mas não se pode esquecer que ele não passa do um cãozinho de guarda a serviço dos “donos da casa”.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum