ALERTA

Insurreição armada, próximo passo do bolsonarismo? - Por Luiz Carlos Azenha

O evento de Brasília, que teve Eduardo Bolsonaro como principal protagonista, deve servir de alerta às autoridades sobre o potencial de o Brasil repetir os EUA

Eduardo Bolsonaro em ato da extrema direita pró-armas.Créditos: Mauro Lopes/Fórum
Escrito en OPINIÃO el

“Na CPMI do 8 de janeiro eu vi o Pró-Armas recebendo um ataque, pessoas tentando vincular o Pró-Armas ao 8 de janeiro. Sabe o que isso significa? Significa que vocês estão fazendo um excelente trabalho”, disse o deputado federal Eduardo Bolsonaro em evento do lobby armamentista em Brasília.

Foi um dia depois da tentativa de golpe de 8 de janeiro completar seis meses.

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Disse mais: “Vocês imaginam o que é sentar com esses caras [deputados de esquerda] sabendo que eles querem vir pra cima de vocês e acabar com o direito de ter armas? Não por uma questão de segurança, mas em uma pretensão de instalar uma ditadura. É complicado o jogo, o jogo é bruto”.

“As manifestações estão retornando, as pessoas têm vontade de ir na rua, mas também têm receio, porque é isso que objetiva uma ditadura: punir os outros de uma maneira, o quanto possível, mais arbitrária, para justamente desencorajar aqueles que querem fazer o certo, que querem lutar pela democracia”, acrescentou o filho de Jair Bolsonaro.

Com o pai impedido de disputar eleições e o bolsonarismo rachado, Eduardo falou à ala mais radical da extrema direita.

Gente como George Washington de Sousa, que viajou mais de 1.400 quilômetros entre o sul do Pará e Brasília para impedir a diplomação e a posse do presidente eleito Lula.

George levava em sua caminhonete um fuzil Springfield .308, duas espingardas calibre 12, duas pistolas, dois revólveres e mais de mil peças de munição.

Gerente de postos de gasolina, antes da viagem ele fez um “estágio” no acampamento montado por bolsonaristas diante da 23ª Brigada de Infantaria de Selva, em Marabá.

O sul do Pará é conhecido pela grande presença de milícias rurais.

O ex-vice-prefeito de Itupiranga e presidente do Sindicato Rural de Marabá, Ricardo Guimarães de Queiroz, foi preso pela Polícia Federal, suspeito de ter financiado a tentativa de explodir a bomba numa avenida de acesso ao aeroporto de Brasília, no dia 24 de dezembro de 2022.

George Washington foi um dos executores. Ele confessou ter recebido a bomba pronta no acampamento diante do QG do Exército em Brasília e de tê-la entregue a Alan Diego dos Santos.

Alan, a bordo de um automóvel dirigido pelo ex-candidato a vereador em Sobral e ex-candidato a deputado federal, Wellington Macedo de Souza, deixou a bomba no eixo de um caminhão carregado de 60 mil litros de querosene de aviação.

Wellington foi assessor da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança sob a hoje senadora Damares Alves, no início do governo Bolsonaro. Ele está foragido em local “bem isolado”, segundo contou à Folha de S. Paulo.

Na véspera da diplomação do presidente eleito Lula, que aconteceu no dia 12 de dezembro, George Washington disparou várias mensagens ao Exército oferecendo armas e pedindo treinamento para que os CACs impedissem o evento.

O terrorista tem registro de Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC) e gastou mais de R$ 150 mil em armas e munições, conforme ele próprio contou à polícia.

Um CAC só pode transportar armas e munições com uma guia expedida pelo Exército, que George não tinha. Além dos explosivos que estavam na caixa que deveria explodir o caminhão, outras cinco unidades de emulsão e detonadores foram encontrados na caminhonete de George Washington depois que ele foi preso.

No Brasil, explosivos para utilização em pedreiras, como o que se tentou usar no caminhão em Brasília, só podem ser comprados com o uso de um CNPJ. O monitoramento cabe ao Exército.

A perícia da Polícia Civil foi incapaz de determinar o horário exato em que a bomba de Brasília foi acionada e falhou.

Esse dado seria importante para determinar se os terroristas pretendiam detonar o caminhão à distância, depois que ele entrou no aeroporto para descarregar – explosão que tinha o potencial de atingir outros reservatórios de querosene.

Há fortes indícios de omissão da Polícia Militar do Distrito Federal e do Exército diante da ameaça representada pelo acampamento montado por bolsonaristas diante do QG de Brasília.

Ao depor na CPMI, em uma de suas raras respostas, George Washington confirmou que a inteligência do Exército agia no acampamento para afastar infiltrados.

Uma fonte da revista Fórum, ligada à Polícia Federal, disse - em entrevista que faz parte do segundo capítulo de “O Golpe contra Lula”, da Fórum Filmes - que o acampamento “era do Exército” e denunciou que a inteligência e a contrainteligência da PF foram sabotadas quando seus agentes tentavam obter informações no acampamento.

Além disso, há fortes indícios da participação da chamada “família militar” na incitação ao golpe de 8 de janeiro. Parentes de integrantes das Forças Armadas, da PM, do DF e até de bombeiros estiveram no acampamento ou ficaram acampados lá.

É com este pano de fundo que deve ser visto o evento em que Eduardo Bolsonaro discursou.

Baseados em uma interpretação tosca do artigo 142 da Constituição, bolsonaristas sustentam que as Forças Armadas poderiam ter impedido Lula de ser diplomado e assumir.

Agora, argumentam que é justificável usar armas para enfrentar a “ditadura do PT”.

“Nós somos a última resistência”, disse no mesmo evento do Pró-Armas o deputado estadual Cristiano Caporezzo, do PL de Minas Gerais.

Eduardo Bolsonaro comparou o lobby do Pró-Armas à National Rifle Association (NRA), que nos Estados Unidos torrou o equivalente a quase 120 milhões de reais nas eleições de 2020.

Assim como bolsonaristas distorcem no Brasil o artigo 142 da Constituição para justificar intervenção militar, nos Estados Unidos os apoiadores de Donald Trump fazem o mesmo com a Segunda Emenda da Constituição.

Ela diz que “sendo uma milícia bem regulamentada necessária à segurança de um Estado livre, o direito do povo de guardar e portar armas não deve ser infringido”.

Isso, porém, não equivale a dizer que a população tem direito de provocar uma insurreição contra resultados eleitorais, que defensores de Donald Trump tentaram no 6 de janeiro de 2021.

“Se [Hillary Clinton] puder escolher juízes [da Suprema Corte], não há nada que vocês possam fazer, meus caros. Embora o povo da Segunda Emenda – talvez possa, não sei”, disse Donald Trump antes de derrotar a democrata.

O azeitado lobby da NRA nos Estados Unidos não apenas tem uma forte bancada no Congresso, mas trabalha para influenciar as decisões da Suprema Corte através de advogados e instituições que apresentam suas “opiniões” aos juízes como se fossem partes desinteressadas.

Muitos, porém, recebem dinheiro da NRA.

Assim como aconteceu com o tabaco, o medo de eventual regulamentação da venda e porte de armas nos Estados Unidos fez com o que o lobby da indústria de armas dos EUA estendesse seus tentáculos a outros mercados em potencial, como o Brasil.

É este o nexo entre a NRA, Eduardo Bolsonaro e o Pró-Armas.

O grupo Brady, que tenta conter a expansão do armamentismo nos Estados Unidos, denunciou o CEO da NRA, Wayne La Pierre, por ter escrito que o povo tem o direito “de tomar quaisquer medidas necessárias, inclusive a força, para abolir um governo opressor”.

O discurso do bolsonarismo, nos dias de hoje, propagandeia a mesma ideia.

O grupo Brady identifica a origem da invasão do Capitólio na visão extremista da Segunda Emenda de grupos de extrema direita como os Proud Boys e os Oath Keepers.

Os Oath Keepers defendem, por exemplo, que cidades estadunidenses se declarem “santuários”, onde não haja qualquer restrição à venda e porte de armas.

O grupo Brady também denuncia a forte relação entre a visão extrema da Segunda Emenda e o supremacismo branco.

Timothy McVeigh, que explodiu um prédio federal em Oklahoma City, em 1995, matando 168 pessoas, foi influenciado pelo Turner Diaries, um livro supremacista que tem como enredo a luta de homens brancos contra um governo controlado por judeus e negros que desarmou os brancos.

Nos últimos dez anos, supremacistas foram responsáveis por 248 assassinatos relacionados às suas causas nos Estados Unidos.

Para a socióloga Jennifer Carlson, a NRA promove seu marketing de “autodefesa” para se encaixar numa visão de mundo de homens brancos que se consideram ameaçados pelo feminismo e pelo avanço social de negros e hispânicos.

No Brasil, a ameaça é “vermelha” e o risco às instituições é maior, uma vez que o bolsonarismo tem muitos seguidores entre policiais e militares.

A máquina de fake news se encarrega de disseminar a ideia de que uma “ditadura comunista” ocupa o Planalto.

Nos Estados Unidos, o Grupo Brady lembrou em seu relatório que a invasão do Capitólio foi precedida, em janeiro de 2020, por outro fato extraordinário.

Como parte de um evento anual contra violência armada, em homenagem a Martin Luther King, manifestantes deveriam se reunir na sede do governo da Virgínia.

Foram impedidos por cerca de 20 mil homens, que vieram armados com fuzis de assalto de todos os Estados Unidos até Richmond, a capital da Virgínia.

Lá, em caso de uma nova derrota de Donald Trump, por pequena margem, em 2024, o risco está vivíssimo.

Pelo que disse em uma das poucas respostas que deu à CPMI, George Washington parece acreditar que a tentativa de explodir uma bomba em Brasília era justificável, como forma de combater o comunismo.

O evento de Brasília no dia 9 de julho, que teve Eduardo Bolsonaro como principal protagonista, deve servir de alerta às autoridades sobre o potencial de o Brasil repetir os Estados Unidos, especialmente com a fração mais radical do bolsonarismo alijada do poder.

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