O jogo na Câmara dos Deputados finalmente começou a ser jogado, com a votação da urgência do PL das Fake News na noite desta terça-feira. O governo Lula passou no primeiro teste e tem o primeiro desenho de sua base parlamentar entre deputadas e deputados. A vitória por 238 votos a 192 não pode ser considerada uma goleada, mas foi um 2 a 0 bastante satisfatório, que deve se repetir, com um placar até mais ampliado, na semana que vem, quando for votado o mérito do projeto.
O resultado aponta também para uma aprovação folgada do arcabouço fiscal de Haddad-Tebet.
Veja o mapa da votação por partido. Voto não (em vermelho) é contra a urgência; voto sim (em verde), a favor:
Dez indicações que sobressaem:
1. A primeira e mais relevante: o governo tem sua base. Não é pouco isso, pois havia temor inclusive entre líderes governistas de que a base do governo não se concretizasse de maneira viável. Com 40 votos de frente sobre a oposição vitaminada pelo apoio e a grana das plataformas num tema crucial para elas e para a democracia, foi uma vitória a ser celebrada. Com 238 votos, o governo não consegue aprovar projetos de lei complementar (são necessários 257) e menos ainda emendas constitucionais (308 é o número mínimo). Mas a base do governo tem potencial de ser ampliada, como o mapa indica.
2. A esquerda e centro esquerda atuaram unidas, coesas, sem defecções. PT, PSOL, PDT, PSB, PCdoB, PV e Rede votaram totalmente alinhados com o governo - apenas um deputado do PDT votou contra a urgência. Cinco deputados do PT não estiveram na sessão.
3. Do outro lado do espectro político e ideológico, a extrema direita marchou unida também. O PL teve 79 votos contra a urgência e apenas 6 a favor, com ausência de 14. Para quem esperava 30% da bancada do PL na base do governo, o resultado foi frustrante -e vários analistas políticos e articuladores do governo sonhavam com isso. Somando ausentes (14) e quem votou a favor da urgência (6), chega-se a 20% da bancada. Mas é uma conta torta, pois não pode-se considerar os ausentes como alinhados ao governo. Da mesma maneira que não se pode considerar os cinco ausentes do PT como contrários à urgência. O fato é que a defecção no PL representou pouco mais de 7% da bancada. Outros dois partidos compõem a base da extrema direita na Câmara, o Novo, e seus três deputados votaram contra a urgência, e o Podemos -dos 12 deputados do partido, 10 votaram e 9 foram contra a urgência.
4. O Republicanos foi a grande surpresa e indica o sucesso da ação do ministro Alexandre Padilha na conquista deste partido para a base do governo. Dos 42 deputados do partido, 36 votaram. 28 deles a favor da urgência e apenas oito contrariamente. O Republicanos, que já foi o braço político da Igreja Universal, tem se afastado do núcleo mais fundamentalista do agrupamento e desde o início do ano tem substituído pastores e bispos extremistas dos diretórios partidários, numa ação combinada com Padilha. Ponto para o ministro da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República.
5. Enquanto o Republicanos surpreende positivamente o governo, sem ter um ministro sequer, o União Brasil segue decepcionando. Dos 59 parlamentares da legenda, 12 não apareceram para votar. Nada menos que 28 votaram contra a urgência - foi a segunda bancada que mais votos deu contra o governo, atrás apenas do PL. Apenas 19 deputados votaram a favor.
6.Se a decepção com o União Brasil já era mais ou menos esperada, com o comportamento da bancada do partido desde o início do governo, houve uma importante surpresa negativa para o governo: o PSD. O partido do presidente do Senado tem três ministérios no governo Lula, mas não compareceu. Dos 42 deputados federais da bancada, 31 compareceram à votação e apenas metade deles (15) votaram a favor da urgência. 16 foram contra.
7. E Arthur Lira? Ninguém duvida de sua força -e quase todos a temem. Nem Eduardo Cunha sonhou ter o poder dele. O presidente da Câmara tem sido, de fato, um aliado do governo. Mas o preço em cargos e dinheiro e poder tem sido alto. Lira conduziu a sessão como um aliado do governo. Mas o resultado da votação da bancada de seu partido demonstrou que o controle de Lira pode ser inferior ao que ele propagandeia. Dos 47 deputados do partido, nove faltaram à sessão. Apenas 17 votaram a favor da urgência; 21, contra.
8. O PSDB piscou para o governo. Dos 14 deputados do partido, 11 votaram, e sete deles com o governo -inclusive Aécio Neves.
9. O Avante de Janones está na base, ainda que dividido. Deu 4 votos para a urgência -dois votaram contra e um faltou.
10. Aparentemente, o Cidadania, o Patriota, o PSC e o Solidariedade estão à espera de ofertas mais palpáveis do governo. O líder do Solidariedade, Paulinho da Força, tem reclamado abertamente da falta de afeto. É um grupo de 18 parlamentares. Dez votaram contra a urgência, quatro a favor. A ver.
A vitória para o regime de urgência deverá ser confirmada na próxima terça, na votação do projeto. Significará um golpe duro na ação da extrema direita e suas fake news nas redes. Importante para o governo Lula e a sociedade.