PAUL MCCARTNEY

Paul McCartney, Lô Borges e as peças que nos prega a Inteligência Artificial

Circula nas redes versão do ex-Beatle para “Um girassol da cor de seus cabelos”, que ele nunca gravou; até onde vai isso?

Paul McCartney e Lô Borges.Créditos: Oli Gill/Bárbara Dutra/Divulgação/Montagem
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Circula um áudio pelas redes socais em que o ex-Beatle Paul McCartney canta a lendária canção “Um girassol da cor de seus cabelos”, de Lô Borges e Márcio Borges, lançada no álbum “Clube da Esquina”, de 1972.

É uma grande canção e não seria, de fato, nada demais que o cantor britânico revolvesse mesmo gravá-la. O xis da questão é que McCartney nunca gravou o clássico mineiro. Trata-se de uma versão feita através de Inteligência Artificial.

O resultado é bastante convincente, chegando até mesmo a imitar o que seria um hipotético sotaque do inglês cantando em português das Minas Gerais. Algumas coisas, no entanto, denunciam a vigarice.

A primeira delas é que MacCartney jamais gravaria qualquer canção com o acompanhamento igual ao da versão original, no melhor estilo karaokê. Além disso, por mais que gostasse da composição, é muito improvável que a gravasse com a letra original e não em uma versão em inglês, língua muito mais facilmente reproduzível mundo afora pela indústria fonográfica.

Senões da versão que tem circulado que podem muito bem ser alterados. Com um simples clique aqui e outro ali, lá está o velho McCa cantando em inglês e com um arranjo ao seu estilo, que pode ser o dos Beatles, do Wings ou qualquer outro de sua longa carreira.

Da brincadeira, no entanto, fica algo aterrador. A IA começa a engatinhar no planeta, ao menos para uso popular. Daqui a pouco tempo estará popularizada, fazendo emulações muito mais perfeitas e acessíveis a qualquer um que tenha um computador ou um celular nas mãos. Posto isto, é Paul McCartney cantando qualquer coisa, Ringo Starr tocando em qualquer disco etc.

Isso pra ficar só na música. Já é possível, por exemplo, descrever um objeto e um programa de IA transformar a descrição em uma foto. Ou um pequeno roteiro em um romance no estilo de Guimarães Rosa ou Machado de Assis. O leitor, é claro, dirá que é impossível substituir o talento destes artistas. E é mesmo. Mas emular o formato criativo deles é absolutamente plausível e já é feito.

Por um lado, temos que levar em conta que o planeta não é constituído por especialistas, mas sim por pessoas normais, que tocam suas vidas e consomem música, textos e imagens. Há poucas seres-humanos no mundo capazes de perceber se uma cantata do compositor Johann Sebastian Bach é original ou se foi feita por IA. Eu, por exemplo, me confesso um deles.

O que fazer diante disso e, sobretudo, da enorme possibilidade de falsificações que isso pode e vai nos proporcionar? A primeira e mais óbvia resposta é a obrigatoriedade de créditos a cada obra lançada, certo? Algo que já é feito largamente na indústria cultural para efeito de direitos autorais.

O grande problema, no entanto, fica para o vasto mundo das redes sociais, espaço em que ninguém é dono de nada e as coisas se reproduzem aos cântaros. Para um futuro próximo, prevejo que Paul McCartney vai sim continuar cantando coisas que ele nunca sonhou sequer em ouvir.

E a gente por aqui, tomados por tolos, sem saber jamais se é ele de fato ou uma máquina.