Passados quatro anos de um Brasil que ficou à margem do mundo e, portanto, da história, Lula reintroduz o país no cenário global com a mesma desenvoltura que lhe é peculiar. Ele retorna ao governo do Brasil após sofrer uma das mais injustas perseguições políticas capitaneadas por um juiz e um promotor que se exoneraram dos cargos para serem políticos da oposição ao seu governo. Lula foi injustamente preso. E ao sair da prisão, derrota a extrema-direita brasileira numa disputada eleição presidencial. É tempo de reconstrução, diz o governo brasileiro.
Nesta visita de Estado à China, a recepção de Xi Jinping ao presidente brasileiro ao som da música “Novo Tempo”, que se celebrizou na voz do internacionalmente conhecido cantor brasileiro Ivan Lins, não poderia ter sido mais apropriada. Diz a letra da canção: “No novo tempo, apesar dos perigos, da força mais bruta, da noite que assusta, estamos na luta. (...) Para que nossa esperança seja mais que vingança, seja sempre um caminho que se deixa de herança.” O encontro de Lula e Xi carrega o significado deste “novo tempo”, desta “nova era”.
A China sabe receber com muito afeto os seus amigos. E como disse Xi Jinping, Lula é um velho e bom amigo da China. De fato, durante o segundo mandato de Lula, a China passou a ser a maior parceira comercial do Brasil e, juntos, participaram ativamente da criação do BRICS com o objetivo de promover a reforma das organizações internacionais. O encontro dos dois líderes na última sexta-feira é a promessa de um novo capítulo que pode ser crucial para o futuro da relação bilateral, do BRICS, e de um mundo multipolar.
Brasil e China assinaram 15 memorandos de entendimento que cobrem diversas áreas: investimentos, comercio bilateral com uso de moeda local, infraestrutura, economia digital, agricultura, educação, meio ambiente e mudanças climáticas etc. Amplia-se a agenda bilateral – deixando para trás o perfil de relação que predominou nos últimos quatro anos quando o Brasil deu ênfase sobretudo ao comércio bilateral. Com Lula, a relação sino-brasileira pode ir além do comércio. Mas, para isto, o intercâmbio entre os povos das duas nações será essencial.
Semanas antes da visita de Lula, a ida de mais de 200 representantes de empresas brasileiras à China foi um sinal positivo de que a classe empresarial está interessada no aprofundamento da relação com as empresas e o governo chineses. Mas ambos os países precisam alargar ainda mais os contatos entre os povos dos dois países para que mais pessoas possam usufruir das possibilidades desta relação. Há centenas, milhares de empresas de médio porte, pequenos agricultores, entidades de pesquisa, autoridades públicas de estados federados e municípios brasileiros, artistas, profissionais do setor de serviços, estudantes etc. que querem se informar e saber como participar deste novo tempo das relações sinobrasileiras.
Ainda, o governo brasileiro espera atrair investimentos chineses que favoreçam o processo de reindustrialização do Brasil que se tornou um exportador de commodities para o mundo, sendo a China o seu maior comprador. Mas a reindustrialização do Brasil depende de uma política industrial que atraia investidores. E este dever de casa precisa ser feito pelo Brasil – e urgentemente.
O Brasil precisa não só do investimento chinês; mas também de aprender com a China. Vale lembrar que o rápido desenvolvimento chinês deveu-se, dentre outros fatores, ao seu intenso investimento em infraestrutura de transporte. A economia depende de pessoas. E as pessoas precisam de meios de transporte baratos, rápidos e confortáveis para circular dentro das cidades, entre as cidades e dentro do país. No Brasil, o trabalhador costuma perder 3 ou mais horas por dia em ônibus ou trens lotados, desconfortáveis e pouco pontuais, para ir e voltar do trabalho. Isto esgota o cidadão e prejudica até mesmo sua vida familiar. Uma boa infraestrutura de transporte desobstrui os caminhos para o desenvolvimento da economia. Um país continental como o Brasil, tal como é a China, deveria pensar em ter seu primeiro trem-bala. Sem infraestrutura de transporte moderna, não haverá rota para o desenvolvimento do Brasil.
Há outras contradições que o Brasil precisa superar. O país que se orgulha do seu potencial exportador de commodities tem milhares de pessoas passando fome. Há algo de muito errado aí. E Lula tem que atentar para o fato de que a relação China-Brasil pode ser muito próspera para o combate à pobreza e para a melhoria das condições de vida do povo brasileiro, e não apenas de alguns empresários.
Por fim, notei a ausência de qualquer referência ao Forum Macau na declaração oficial dos dois países. Desconheço os motivos. Mas é muito digno de nota que nossos amigos chineses tenham criado um espaço de diálogo com os países de língua portuguesa. Esta iniciativa deveria ser apreciada e apoiada pelo Brasil. Para além das relações econômicas, o Forum Macau também promove o idioma português. E no âmbito da defesa da reforma da ONU – que é uma agenda importante para o Brasil – o reconhecimento do idioma português como idioma oficial da ONU aumentaria a legitimidade da organização e promoveria a democratização do sistema internacional.
O modelo de desenvolvimento de alta qualidade do governo de Xi Jinping coloca a pessoa no centro das ações governamentais. Certamente este é o objetivo do Lula. Ambos os líderes têm uma visão em comum do que os motiva para estar à frente de duas grandes nações. Os 15 acordos assinados foram apenas um primeiro e importante passo. Daqui para frente, o que vai contar serão os resultados alcançados. É um novo tempo, e não temos tempo a perder.