JERRY E ZANATTA

Escutei 20 mulheres sobre a abordagem de Márcio Jerry a Júlia Zanatta - por Mauro Lopes

Das 20, 19 condenaram a maneira como Jerry abordou Zanatta. Para a advogada Maíra Recchia, “é um caso clássico de violência política de gênero”

Júlia Zanatta e Márcio Jerry.Créditos: Divulgação
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Nesta quinta (12), o título do programa Fórum Café na TV Fórum foi “Júlia Zanatta e Jerry: como se monta uma fake news”, sobre a abordagem do deputado federal Márcio Jerry (PCdoB-MA) à sua colega do PL de Santa Catarina. Ele, um quadro relevante da esquerda, no Congresso desde 2019, ela uma novata bolsonarista,defensora de todas as teses do cardápio da extrema direita. 

Cotejei a montagem fotográfica divulgada pela extrema direita para sustentar a acusação de assédio sexual com o vídeo divulgado por Jerry e pela esquerda para desmentir a acusação sob alegação de fake news -veja a montagem fotográfica e o vídeo logo abaixo:

Passei o programa meio incomodado com o tema, e especialmente pelo fato de só homens terem falado sobre o assunto -nenhuma mulher participou do Café. O máximo de desconforto que consegui formular e expressar foi de que Jerry teria sido “imprudente”. 

Mas fiquei assim, incomodado. Resolvi então escutar mulheres. Perguntei a 20 mulheres se elas ficariam confortáveis com um homem aproximando-se como fez o deputado Jerry. 19 disseram que não e condenaram, algumas de maneira veemente, a abordagem do parlamentar. 

Todas são mulheres de esquerda, ativistas. No grupo há parlamentares, professoras, pesquisadoras e advogadas. Assegurei a todas elas o sigilo quanto a suas identidades. Duas delas fizeram questão de falar “on the records”. Foram elas a advogada Maíra Recchia e a psicóloga Valeska Zanello.

Maíra Recchia é uma renomada advogada especializada em direito político e gênero. Ela integra o Coletivo Advogadas do Brasil (CAB), foi fundadora da rede de amparo para mulheres denominada PraElas e participa da Rede Feminista de Juristas (deFEMde), além de ser presidenta o Observatório Eleitoral da OAB-SP.

Recchia foi taxativa: “é um caso clássico de violência política de gênero”. Leia a íntegra da declaração dela: “Eu tenho todas as ressalvas em relação a essa deputada, mas esse é um caso clássico de violência política de gênero. A aproximação dele no vídeo é claramente sexista.  A atitude do deputado foi extremamente sexista: ele vem por trás, para falar no cangote, no pescoço dela, é um verdadeiro absurdo. Tenho todas as restrições à atuação da deputada, mas não é possível conciliar. De fato ela está manobrando as imagens para dar um tom mais grave ao ocorrido, mas a abordagem dele foi inadmissível”.

Valeska Zanello é uma das maiores referências brasileiras em pesquisa na área de Saúde Mental e Gênero e professora no Departamento de Psicologia Clínica (Universidade de Brasília). Ela é autora do consagrado  “Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação”, lançado em 2018. Zanello explicou que “espaço pessoal é uma categoria importante de pesquisa no campo de estudos sociais. Houve uma clara invasão desse espaço por conta da hierarquia de gênero. Isso não ocorreria se o deputado fosse falar com outro homem. Espaço pessoal é uma zona de intimidade e preservação pública e invadi-lo é uma agressão. O deputado invadiu de maneira agressiva o espaço pessoal dela. Senti nojo ao ver o vídeo”.

As outras 17 mulheres que condenaram a aproximação de Jerry falaram sob condição de sigilo. As observações mais relevantes:

“Se fosse um homem ele não falaria no pescoço.”

“Eu daria uma cotovelada no nariz dele.”

“Nenhum homem deve fazer isso. Eu acho impossível uma mulher não se incomodar com isso. Ele falando no cangote dela… nojento”.

“Não pode fazer isso.”

“Não, eu não ficaria confortável.”

“É óbvio que não!!!”

“Chegando por trás assim e indo no cangote? Se fosse um homem ele faria assim?”

“Não ficaria confortável e infelizmente isso acontece muito.”

“Não acho que a situação tenha sido como circulou de que ele chegou ‘dando um cheiro no cangote’. Mas ele foi inconveniente, fez uma aproximação repentina, por trás - sem que ela visse -, pegando ela de surpresa. Eu não ficaria confortável.”

“A Júlia Zanatta é uma canalha. Mas é uma mulher. O que ele fez é inadmissível. Se fosse comigo, teria dado uma cotovelada, como já tive que dar várias vezes.”

Apenas uma delas não viu problema na aproximação: “Com a confusão e barulho da comissão e vendo o vídeo, eu não ficaria incomodada”.

Escutando todas essas mulheres, mudei minha percepção do episódio.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum