OPINIÃO

100 dias de governo Lula: uma breve avaliação

"Ao longo dos últimos 100 dias, não foram poucas as importantes medidas e programas sociais lançados ou relançados pelo governo Lula"

O presidente Lula.Créditos: Ricardo Stuckert
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Após a posse popular do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 1º de janeiro deste ano, com milhares de pessoas e marcada pela participação do povo brasileiro, o novo governo Lula iniciou seu mandato enfrentando a tentativa de golpe bolsonarista em 8 de janeiro às sedes dos três Poderes, em Brasília, e, logo em seguida, atuou fortemente na crise da tragédia humanitária dos Yanomami, com medidas que expulsaram garimpeiros de Roraima e denunciaram para o mundo o genocídio ao qual os indígenas estavam submetidos no Brasil, sob a coordenação de Jair Bolsonaro e da então ministra de Direitos Humanos de seu governo, Damares Alves. 

Ao longo dos últimos 100 dias, não foram poucas as importantes medidas e programas sociais lançados ou relançados pelo governo Lula. Entre elas, citamos o Minha Casa, Minha Vida, Mais Médicos, Bolsa Família, Movimento Nacional pela Vacinação, Programa de Aquisição de Alimentos, abertura das delegacias de atendimento às mulheres 24 horas, correção da tabela do IR, piso salarial para enfermagem, aumento do salário mínimo, recursos para a área de cultura, entre outros.  

Cumprindo o compromisso de cuidar da nossa gente, vale a gente ressaltar também as recentes visitas do presidente e de seus ministros nas tragédias que ocorreram nos primeiros meses desde ano como a dos Yanomami, do litoral Norte de São Paulo, do Maranhão (esta última em pleno domingo de Páscoa). Lula tem mostrando não só empatia e solidariedade ao povo brasileiro, mas também tem liberado recursos significativos para o enfrentamento aos desastres, um governo com enorme diferença em comparação com o anterior de Bolsonaro que, em momentos de angústia e sofrimento, zombava da dor das pessoas. 

Na área econômica, nesses 100 dias, o governo Lula sofreu grande pressão por um ajuste fiscal de caráter neoliberal com o mercado insistindo na ideia de que o Estado só pode gastar o que arrecada. Para acelerar o motor da economia, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou as diretrizes da nova âncora fiscal, que irá substituir o famigerado teto de gastos. Em síntese, a proposta fiscal apresentada abre mais espaço para investimentos nas áreas sociais, se comparado com a regra anterior, mas a trava que limita os gastos em 70% da receita pode ser um impeditivo para o crescimento econômico, geração de emprego, expansão dos investimentos nas políticas públicas e obras de infraestrutura. Diante de tantos desafios, é de se indagar: o Brasil com 33 milhões de pessoas passando fome precisa de superávite primário? Não seria mais eficaz e mais justo taxar os lucros, dividendos e o patrimônio? 

Lula fez muito bem em denunciar a alta taxa de juros. Ele sabe que a taxa Selic a 13,75% ao ano é um impeditivo para a retomada do crescimento econômico. Lula teve 80% de apoio da população em sua cruzada contra o presidente do Banco Central, o bolsonarista ultraneoliberal Roberto Campos Neto.

As dificuldades com a captura do Estado pelo mercado, expressas pela dependência do Banco Central em relação ao rentismo e independência em relação aos interesses do povo brasileiro localizam a principal trincheira de luta nesses primeiros 100 dias. O governo sofre pressão permanente para manter política fiscal e monetária restritivas, o que só interessa aos especuladores e trava qualquer possibilidade de crescimento econômico, necessário para que se cumpram as propostas do programa de governo aprovado nas urnas. As forças progressistas, de dentro e de fora do governo, no Estado e na sociedade, devem fazer avançar a luta nessa área, pois somente com uma significativa mudança na correlação de forças será possível enfrentar os mecanismos de boicote do mercado.

É preciso também avançar no campo do enfrentamento ao bolsonarismo. Nesses 100 dias, as medidas mais importantes foram a revogação de decretos que facilitavam o armamento dos grupos milicianos/bolsonaristas no campo e nas cidades, e o duro e corajoso enfrentamento ao golpe de 8 de janeiro, decretando intervenção federal nas forças de segurança do Distrito Federal. Essa última ação terminou com a exoneração do comandante do Exército, o golpista general Júlio César de Arruda.  

Cabe neste espaço ainda a discussão sobre o aumento da violência nas escolas. Destaco que essa escalada não é um fato isolado. É um sintoma do quanto o fenômeno bolsonarista é estruturado e violento. Ele ultrapassa o Bolsonaro e, por essa razão, apenas as rondas nas escolas não são suficientes. Este tema terá que ser abordado no âmbito de uma política de enfrentamento ao fascismo, muito bem articulado envolvendo o governo e organizações da sociedade civil democrática. 

Na área da participação popular, o Conselho de Participação Social, uma rica experiência no governo de transição, apontou inovações no diálogo com a população, sugerindo que a participação popular tem que ser um política de governo e transversal,  uma prioridade de todos os ministérios e órgãos da administração federal. Apesar do esforço do ministro Márcio Macêdo, da Secretaria-Geral da Presidência da República (SGP), e de sua equipe, já há sinais de preocupação, uma vez que muitos ministérios anunciam ações, sem a preocupação de antes dialogar com os movimentos populares e sociais. 

Entretanto, apesar dos ajustes, vale ressaltar a postura do governo no processo de diálogo com os movimentos sociais e amplos setores da sociedade civil. Não só os ministros, ministras, secretários, secretárias, diretores e diretoras, mas o próprio presidente Lula tem feitos várias reuniões e eventos com diversos segmentos dos movimentos sociais, populares e sindicais. Nos próximos dias, teremos a instalação dos Conselhos de Participação Social e de Desenvolvimento Social Sustentável, dois importantes espaços de diálogo e construção de políticas públicas, sem depender exclusivamente do jogo viciado e marcado por interesses privados, que é a marca histórica da maioria do Congresso Nacional.

Por fim, destaco que é bastante positivo o saldo desses primeiros 100 dias. Precisamos avançar ainda mais para que, no final dos quatro anos de governo, tenhamos conseguido melhorar as condições de vida da população e, ao mesmo tempo, contribuído para o fortalecimento da democracia e o enfraquecimento do fascismo. Para tanto, é preciso que o governo Lula, por meio da participação popular, crie condições para superar o neoliberalismo, gerar consciência política, promover valores democráticos e enfraquecer o bolsonarismo.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum

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