A primeira sequência de um filme da franquia “Pânico” tem algumas funções relevantes: ela estabelece os parâmetros do mistério ao definir quem são as primeiras vítimas, ela oferece, já de início, o prazer audiovisual vinculado ao gênero do slasher com uma cena de ação e suspense que busca envolver o espectador nas sensibilidades do gênero já de cara, e, enfim, ela dá o tom daquele filme em particular, principalmente ao indicar o seu cenário.
Em “Pânico” (dir. Wes Craven, 1996), “Pânico 4” (dir. Wes Craven, 2011) e “Pânico” (dir. Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett, 2022), a casa suburbana indica a ambientação na cidade de Woodsboro, onde a franquia se origina. “Pânico 3” (dir. Wes Craven, 2000) apresenta Los Angeles, e, finalmente, “Pânico VI” (dir. Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett, 2023), o mais recente filme da saga, coloca os personagens e a trama em Nova York.
Ajude a financiar o documentário da Fórum Filmes sobre os atos golpistas de 8 de janeiro. Clique em https://bit.ly/doc8dejaneiro e escolha o valor que puder ou faça uma doação pela nossa chave: pix@revistaforum.com.br.
Deixar Woodsboro para trás faz muito bem a essa nova continuidade dos filmes. O anterior, que usou a cidade para apresentar um novo elenco e novos conflitos dramáticos, carregava alguma redundância, principalmente em relação ao quarto filme, e último de Craven, que já tinha o “retorno a Woodsboro” como um tema. Revendo esses filmes em sequência, a sensação é de que Woodsboro é um espaço cinematográfico muito próprio de Craven como autor, é uma paisagem que ele sabe manipular dentro da forma audiovisual sem que ela apareça como uma cidade genérica (no mau sentido, considerando que “Pânico” frequentemente recorre ao melhor que as reiterações genéricas tendem a oferecer).
A mudança do espaço cênico permite também a essa sequência demonstrar o potencial do seu novo cânone, estipulando quem são os personagens de importância daqui para frente e permitindo vínculos entre eles e os espectadores que o filme anterior, por se ocupar ainda bastante de cumprir as expectativas nostálgicas dos espectadores com o elenco anterior, pode ter sido impedido de realizar até o fim. E isso constitui um evento feliz para “Pânico” porque, como uma das personagens nos diz em um dos vários comentários metalinguísticos do filme, desprender-se de alguns dos elementos nostálgicos é o que permite que uma franquia de filmes se faça durável.
Tudo isso permite aos novos diretores (os únicos a dirigirem esses filmes fora Craven, o que é de uma responsabilidade intimidante) explorarem o slasher dentro de um estilo próprio. Não estou sugerindo por isso, de modo algum, que eles criam uma proposta autoral que se sobressai às formulações do gênero. Felizmente, “Pânico VI” se orienta acima de tudo por um jogo com as reiterações genéricas, tanto as levando a cabo, oferecendo exatamente aquilo que é esperado, quanto brincando com as expectativas de reiteração que estariam presentes em um público versado na franquia, como, por exemplo, a primeira meia hora do filme, quando a tradicional sequência inicial se estende para além do esperado, e a cartela de título não aparece quando se espera que ela apareça.
Para além dessas negociações com o gênero, as reiterações e as expectativas, Bettinelli-Olpin e Gillett dirigem habilmente as sequências de ação e suspense. A coreografia dessas cenas utiliza o espaço tão bem quanto Craven em sua melhor forma, trabalhando as arquiteturas internas do cenário para estabelecer diferentes relações de distância entre os personagens e a ação (como na sequência de assassinatos entre dois apartamentos). Há uma dinâmica ali bem aplicada entre o ver e ser visto e não ver e não ser visto que estava em geral ausente do filme anterior, que era mais direto ao ponto nas suas sequências de ação.
Por fim, é difícil escrever sobre um filme que escreve sobre si mesmo. Pode-se até considerar que a veia metalinguística de “Pânico” se tornou um lugar seguro para os filmes, uma saída a qual eles podem recorrer em sua mediocridade (o que é um argumento dos críticos da franquia). Essa conclusão, no entanto, parece desconsiderar ou minimizar a potência desse gesto de escrita de si mesmo que esses filmes fazem.
“Pânico VI” coloca as reiterações em cena e as abre para os espectadores. Ao fazer isso, o filme reposiciona os fãs dos filmes de uma maneira interessante. Enquanto algumas franquias procuram cultivar espectadores prometendo um sucesso duradouro de múltiplos filmes e séries e uma falsa ideia de renovação e novidade mercadológica, “Pânico”, no lugar disso, implica os seus fãs em suas próprias limitações, colocando-os até mesmo diante do eventual fracasso de suas narrativas, mas partindo de uma recusa em alienar seus espectadores. “Pânico VII”, se um dia vir, terá pouco de novo, mas nenhum de seus filmes anteriores alegou o contrário.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.