OPINIÃO

Isto é Sangue Negro, vinho da escravidão! Tomai e bebei, cidadãos de bem! – Por pastor Zé Barbosa Jr

Numa “eucaristia” nefasta e perversa, o vinho que se bebe é o sangue negro da escravidão. É vinho que traz à memória os séculos de desprezo e violência que insistem em continuar nos nossos dias

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Parte do Brasil assistiu, estarrecido, à notícia de que cerca de 200 homens, quase todos negros, viviam em “situação análoga à escravidão” (que na verdade é ESCRAVIDÃO, mas como esta foi “abolida” em 1888, a gente finge que não existe, mas existe sua versão “análoga”). As vinícolas AURORA, SALTON e GARIBALDI (é bom que se destaquem esses nomes para não esquecermos) mantinham em parceria com a empresa “Oliveira & Santana” os trabalhadores em alojamentos impróprios, onde eram alimentados por comida estragada, e submetidos a torturas como choques elétricos, espancamento e spray de pimenta.

Não somos inocentes de pensar que isso aconteceu “por acaso”. O problema da escravidão no Brasil NUNCA foi resolvido de fato e seus tentáculos modernos que passam pelos “trabalhos análogos à escravidão”, o racismo estrutural brasileiro, o racismo religioso e todo tipo de preconceito xenofóbico principalmente, como neste caso, com o povo baiano, conhecido por sua luta histórica contra os dominadores e escravagistas brancos e poderosos.

Como se não bastasse a barbárie em si, as justificativas dadas pelo Centro da Indústria, Comércio e Serviços de Bento Gonçalves (RS), de que isso acontecia por falta de mão de obra qualificada e por conta do “bolsa-família” mostram como o empresariado, neste caso 100% branco e “pseudoeuropeizado” realmente encontra subsídios em seus pensamentos absurdos e escravocratas para a manutenção da escravatura. Não saíram do século XIX até hoje. Mais que isso, defendem o “direito” de serem desumanos, cruéis e imbecis.

Para piorar o que já é perverso, o vereador do PATRIOTA – a piada é nefasta e pronta - Sandro Fantinel, de Caxias do Sul, na Serra do RS fez uma fala onde comete diversos crimes e absurdos, carregada de racismo e xenofobia ao dizer que “os baianos, que a única cultura que eles têm é viver na praia tocando tambor, era normal que se fosse ter esse tipo de problema. Que isso sirva de lição, deixem de lado aquele povo que é acostumado com carnaval e festa para vocês não se incomodarem novamente”. Para estes, vereadores e empresários, a escravidão é a medida de todas as coisas.

Numa “eucaristia” nefasta e perversa, o vinho que se bebe é o sangue negro da escravidão. É vinho que traz à memória os séculos de desprezo e violência que insistem em continuar nos nossos dias. Não é vinho da nova aliança, é vinho da mais terrível e antiga história de nosso povo. É sangue pisado nos lagares da intolerância e do racismo. São corpos pisados até que o sangue corra pelos tanques e sacie a sede de um capitalismo branco, macho e que se julga acima de outros povos e gentes.

O vinho tinto é o sangue do corpo retinto do negro escravizado, submetido ao jugo nojento e fétido dos senhores que ainda se arrogam donos de corpos e vidas. Seu sangue clama da terra como o sangue de Abel, morto por seu irmão no mito da criação. Cada gota vermelha do sangue negro que toca o chão de nosso país, seja pela escravidão ou pelas mãos da violência do Estado onde as balas perdidas sempre “acham” um corpo preto, sobe aos céus como um clamor de justiça e liberdade por “um dia de graça”, como clamava o sambista.

Desde a primeira missa no Brasil, que ironicamente aconteceu na Bahia, “o corpo e o sangue de Cristo” são vilipendiados e des-graçados nas mortes e escravidões de indígenas e negros. Porque quem come e bebe sem discernir que o Corpo de Cristo é TAMBÉM o corpo do meu irmão e da minha irmã negra, indígena e pobre, come e bebe para a sua própria condenação. O vinho extraído às custas do sangue negro é vinho de maldição. Os senhores da morte são malditos! As vinícolas da morte são malditas!

Não passarão!

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.