OPINIÃO

Lula: um presidente populista? – Por Julian Rodrigues

Dia sim dia não a mídia burguesa conceitua - em tom pejorativo - Luiz Inácio Lula da SIlva como um governante com pendores populistas (mas será que isso seria mesmo ruim?)

Lula sobe a rampa do Planalto na terceira posse presidencial.Créditos: Mídia Ninja
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Populismo é um daqueles conceitos que de tão usados acabam quase totalmente esvaziados de qualquer sentido prático.  Pode ser isso, aquilo - ou mesmo seu contrário, ao mesmo tempo agora -   conforme o gosto do freguês. 

Na grande mídia, por exemplo, o termo aparece para adjetivar o que eles  consideram  regimes  autoritários (quase sempre os de esquerda). Populismo seria, portanto, uma forma de governar maligna que deve ser  repudiada.

A rigor, qualquer chefe de governo que acena com políticas públicas voltadas à diminuição da desigualdade e/ou à  constituição de algo parecido com um Estado de  bem-estar social é condenado imediatamente pela tigrada (os ricos e seus porta-vozes  na mídia).  Ganham carimbo fortes:  viram feios, sujos, malvados - e ainda por cima recebem o anátema-mor:  populistas. 

Ou seja: fazer qualquer coisa para melhorar a vida do povo constitui-se em   algo ruim por si. Todo ou qualquer governo com compromissos democráticos e populares  é espinafrado de antemão e  sem tréguas,  porque, afinal,  teria sido  infectado pelo vírus populista.

Mas o que é esse tal de populismo? O PT e Lula são populistas também?  Se sim, isso é  algo negativo ou positivo (e  para quem)?

Ater-me-ei aos limites e características desse  textinho - que é  humilíssimo -     breve artigo jornalístico.  Fugirei, portanto, de controvérsias teóricas.   Solenemente vou desconsiderar a imensa produção crítica relacionada ao tema do populismo - tentarei ir direto ao ponto.

Jogo rápido: populismo é classificação  atribuída a  governos progressistas que implementam reformas sociais  (geralmente na América Latina). Seus líderes -  considerados carismáticos -  costumam deter apoio tanto de frações da burguesia como das classes subalternas. 

Pessoalmente prefiro enxergar tais governos como ensaio do que seria uma certa social-democracia possível em nuestra latino-américa. Perón na Argentina e Getúlio no Brasil, por exemplo.

Portanto, taxar de populista um governo como o de Bolsonaro,  neofascista,   é muita sordidez e desonestidade intelectual   -  canalhice reproduzida pela  grande  mídia  e também certos intelectuais “liberais”. 

Populismo tem a ver, historicamente, com governos que melhoram de alguma forma a vida do povo.  Como seria possível, então, colocar no mesmo balai Maduro,  Cristina  e Bolsonaro? O que a mídia costuma rotular como   populismo, na verdade se refere tão somente a   governos que situam-se no campo progressista  -  mesmo com diferenças e contradições. 

Na verdade, populismo é a forma como tradicionalmente o andar de cima tende a classificar qualquer governo social-democrata em nosso continente (síntese afiada do professor  Lincoln Secco).

Perón e Getúlio - paradigmas do que seriam os tais governos populistas -  não tinham origem pobre. Vinham de famílias "pequeno-burguesas", por assim dizer. Todavia, fizeram na Argentina e no Brasil governos modernizadores que desenvolveram o capitalismo e seus respectivos Estados nacionais - com distribuição de renda   e   direitos sociais.

Ambos eram “populistas” então?  Ou lideranças populares/carismáticas reformistas que operaram uma forte estratégia de comunicação e mobilização das massas trabalhadoras?  

Cá entre nós,   talvez seja mais pertinente entender o getulismo e o peronismo como um ensaio social-democrata em latino-américa  -  e  não como governos meramente  “caudilhescos”. 

Noves fora o nojinho que os liberais têm deles (o que por si só já é algo bem significativo), Getúlio e Perón deixaram  sim um legado progressivo. Melhoraram a vida de muita gente com medidas modernizantes, industrializantes e distributivistas.

Aqui é preciso estabelecer um referencial: populismo - diferentemente do que propaga o senso comum, não tem, por si só conotação negativa -    apesar de serem  regimes/governos   sempre considerados pela burguesia  “feios, sujos  e malvados”.

E o Lulão?

Há que se assinalar de saída as imensas diferenças entre  a trajetória de Lula  quando cotejada  com a  biografia dos históricos líderes populistas. 

Começando do começo. Lula era pobre, nordestino, migrante, um operário que se tornou líder sindical -  e a partir daí protagonizou a formação do maior Partido da classe trabalhadora brasileira.

Luís Inácio da Silva é, a despeito de todo preconceito e senso comum, um refinado intelectual orgânico do proletariado. Foi desde sempre arguto/dedicado dirigente partidário, além de extraordinário líder político - e ao mesmo tempo,   gigantesco quadro  de massas. 

Na presidência da república revelou-se também talentoso gestor público. As políticas que executou no governo fortaleceram enormemente sua liderança entre as massas populares.

Às vezes acho  que  não temos  nem de longe a noção exata da dimensão do que  é agora e  o que virá  a ser o  legado de Lula.  A esquerda brasileira   não deixa de ser privilegiada por poder contar com a liderança do filho da Dona Lindu.

A burguesia e seus grilos-falantes se irritam  demais  (e nem ao menos  tentam  disfarçar) com a imensa capacidade que tem Lulão de falar diretamente às massas, e se firmar também  como um estadista respeitado “all around the world”.  

É fato. As políticas sociais de Lula foram fundamentais para estabelecer essa ligação especial  que ele tem com os mais  pobres. Críticas que tentam desqualificar   a popularidade do Presidente, em especial a enormidade da força que   detém no Nordeste,  são   em geral preconceituosas e  elitistas -   flertam com certo  racismo regional.

Lula são muitos:  é personagem dialético, pluridimensional. Navega por diversos espaços ao mesmo tempo -  move-se  entre eles com agilidade, argúcia  e elegância singulares.  

Nas décadas vindouras Lula com certeza será tema tanto  de detalhadas   pesquisas  acadêmicas  e  figura de destaque  nos livros  de história. 

André Singer foi pioneiro e ousado  ao cunhar  o termo  lulismo -  tateando, buscando uma teorização/explicação generalista.  Mas, tem um problema de saída aí. Como esboçar uma teoria sobre Lula se ele ainda nem começou ? 

Talvez seja melhor do ponto de vista acadêmico deixar a história se fazer por completo antes de buscar construir teses, hipóteses generalistas  ou explicações sistêmicas  sobre Lula e   o  “lulismo” (se é que isso existe mesmo).

O fato concreto (expressão que Lulão adora) é o seguinte:  nem de longe se pode adjetivar Lula como líder “populista”.  Suas raízes são sindicais:  ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo é um agitador e organizador popular, orgânico.  

Não me perfilo entre os que   desqualificam e/ou consideram regressivos líderes como Getúlio ou Péron.  Muito menos Néstor/Cristina Kirchner ou Chávez/Maduro  -  que são bem diferentes entre si, claro. Populismo, para nós progressistas, em nenhuma hipótese deve soar pejorativamente.

A Globo News  e os nossos jornalões não cessam de  martelar o tempo todo ideias neoliberais toscas:  portam-se como  assessoria de imprensa da Faria Lima.  Recentemente dedicam-se o dia inteiro  a incidir  sobre o  governo petista, sempre tentando   bloquear o programa que elegeu Lula ( uma plataforma  keynesiana,  social- desenvolvimentista). 

Lula lidera um governo de coalizão com alguns setores (minoritários) das classes dominantes.  Mas todos os sinais que vem emitindo vão na direção de realizar um mandato histórico. Ousado e transformador. Aliás, Lulão tem sido, na prática, a ala esquerda de seu próprio governo.

Mais experiente e preparado que nunca, marcado pela dolorosa experiência do cárcere   é nítido que Lula não está cultivando ilusões acerca do caráter das classes dominantes brasileiras.  E parece determinado  a    deixar um consistente legado de democratização e redução da desigualdade.

Lula é maior que o PT? Certamente. 

Todavia, não existiria Lula sem o PT.  Ou sem o sindicalismo, os movimentos sociais, sem toda  mobilização  do campo democrático-popular.   Lula tem raízes profundas no seio do povo organizado   - e faz questão de as preservar. Nem de longe pode ser comparado às  lideranças “populistas” (naquele sentido usual em que se emprega o termo).

Lula é a síntese das lutas   da classe trabalhadora e de todos setores progressistas do país nos últimos 50 anos.  É também produto do avanço da consciência política do povo.

Não se trata de líder carismático que paira acima da sociedade civil e dos partidos. Pelo contrário. Lula só é o que é porque coletivamente o construímos nas últimas décadas - junto com um forte campo popular, democrático e socialista. Ele sempre reitera isso, a propósito.

Portanto, sem apressados ou superficiais rótulos.  É ignorar e neutralizar a má vontade da mídia (e de certos setores acadêmicos)  com um so-called  populismo.  Ou com   o que seria o   lulismo. 

(A propósito,  já imaginaram Lulão em pleno modo  populista?  Seria  bom demais). 

Mas, todavia, porém, contudo, entretanto Lula e o PT   expressam outro  tipo de movimento, formato organizativo  e representação de classe -  fruto  de outro contexto  histórico. 

Além de ajudar Lula a realizar um excepcional terceiro governo, o desafio  dado é   aumentar a força eleitoral/social do PT e da esquerda como um todo. 

Portanto, é momento de apostar fortemente na  mobilização/organização   da juventude,  priorizar a formação  de  quadros e realizar cotidianamente a  disputa político-ideológica-cultural.  

Quiçá o lulismo venha de fato  a se constituir como  uma força popular  tão  longeva e  enraizada  quanto efetivamente transformadora

Melhor ainda: que o PT siga sendo um partido orgânico, democrático, popular,  plural e mantendo  seu objetivo estratégico: a construção do socialismo no Brasil.

Parabéns e obrigado do fundo do coração  a todas  e todos lutadores do povo  que ajudaram a construir o PT nesses últimos 43 anos. 

Vida longa ao  Partido dos Trabalhadores. Viva  Lula! Viva a classe trabalhadora!  

Viva o PT!