REFLEXÕES

Pelo fim do modelo econômico Temer-Bolsonaro – Por Raphael Fagundes

A democratização da economia deve ser a bandeira da esquerda. O golpe de 2016 e o governo Bolsonaro foram ataques à democracia encabeçados pelo mercado financeiro

Temer e Bolsonaro.Créditos: Wilson Dias/Agência Brasil
Escrito en OPINIÃO el

O retorno à democracia plena só acontecerá quando o modelo econômico Temer-Bolsonaro tiver um fim. A estrutura econômica dos últimos sete anos está atrelada a um golpe e a um governo que ameaçou a democracia constantemente.

O golpe de 2016 tinha como objetivo central a implementação de uma economia pautada no teto de gastos e na destruição dos direitos trabalhistas. É o velho discurso de que é preciso atrair investidores baixando os custos do trabalho. Mas como terá investimento com a taxa de juros tão alta?

Um cidadão que possui uma empresa precisa pedir dinheiro emprestado ao banco para pagar as despesas e os funcionários. Ele irá devolver ao banco com os juros depois que vender suas mercadorias, pagar seus funcionários e fornecedores. Uma margem de lucro ficará com ele. No entanto, se a taxa de juros estiver alta, este empresário terá que pagar um valor maior ao banco, reduzindo assim seus lucros. Deste modo, ele fica desinteressado em investir. O risco é alto demais.

O modelo Temer-Bolsonaro da economia não foi capaz de atrair investimentos e afundou ainda mais a crise brasileira ampliando a miséria da população.

Mas, para a burguesia, crise não é miséria, crise é o desequilíbrio das contas. Há dois futuros em jogo. O primeiro é o do ponto de vista do modelo econômico Temer-Bolsonaro. Dizem que há riscos de a inflação aumentar e, por isso, é preciso manter a taxa de juros alta. O outro futuro é o modelo democrático da economia, no qual o investimento público irá gerar consumo e renda, aumentando a expectativa do mercado atraindo investidores.

Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo destacam: "Os bancos cuidam de administrar o estado da liquidez e do crédito, de acordo com a confiança sobre o futuro da economia e a possibilidade das empresas e governos de controlarem seus balanços". 1 Baixar os juros garantiria a liquidez, a circulação do dinheiro, permitindo o aumento da confiança.

Mas há outro ponto nesta história que precisa ser observado. O sociólogo Wolfgang Streeck explica que "as crises econômicas do capitalismo resultam de crises de confiança do lado do capital. Não são perturbações técnicas, mas crises de legitimação sui generis. O baixo crescimento e o desemprego são consequências de 'greves de investimento' daqueles que dispõem de capital, sendo que sua aplicação poderia eliminar essas consequências, mas não o faz, enquanto faltar confiança aos detentores do capital. No capitalismo, o capital da sociedade é propriedade privada, que os proprietários privados podem utilizar ou não, em princípio, como quiserem". 2 É um risco à democracia um sistema ficar tão dependente assim dos acionistas.

Funciona deste jeito porque no sistema liberal, a economia deve servir aos interesses individuais, jamais ter uma finalidade coletiva, como acabar com a miséria, preservar o meio ambiente etc. São lições que vêm de Hayek: "O governo limita-se a fixar normas determinando as condições em que podem ser usados os recursos disponíveis, deixando aos indivíduos a decisão relativa aos fins para os quais eles serão aplicados". 3 Isto é, a economia serve para atender aos interesses particulares dos que aplicaram no mercado. Estes fazem o que bem entendem.

Para que isso seja possível, o povo deve se alienar economicamente, sendo influenciado, portanto, pelas forças que possuem maior poder de difusão da informação econômica. Essas forças pregam a justiça de mercado, não a justiça social. Assim, há uma desdemocratização do capitalismo por meio de deseconomização da democracia. 4

A imprensa tradicional, defensora do modelo liberal, isto é, Temer-Bolsonaro, procura reeducar a população para que esta defenda não os interesses sociais, mas os do mercado. Esse tipo de modelo econômico impede o florescimento da democracia, principalmente em países em desenvolvimento. Sendo assim, se o presidente do Banco Central compartilha dos interesses econômicos pautados na agenda Temer-Bolsonaro, ele é sim o último (talvez o principal) bastião antidemocrático. É o último óbice para que resgatamos a democracia desde a queda de Dilma em 2016.

Mas a predominância da democracia colocaria em xeque a própria existência do capitalismo. "Não existe um capitalismo governado pelo poder popular no qual o desejo das pessoas seja privilegiado aos dos imperativos do ganho e da acumulação e no qual os requisitos da maximização do benefício não ditem as condições mais básicas de vida", explica Ellen Wood. 5

A democratização da economia, isto é, o seu uso para beneficiar a população, é um ataque ao capitalismo, já que o objetivo do capitalismo é o enriquecimento do acionista.

A democratização da economia deve ser a bandeira da esquerda. O golpe de 2016 e o governo Bolsonaro foram ataques à democracia encabeçados pelo mercado financeiro. O capitalismo ataca a democracia quando há qualquer indício mínimo de democratização da economia. Precisamos lembrar que a maioria dos que elegeram Lula aspira pelo retorno à democracia e talvez pelo alcance da democracia de fato.

1 BELLUZZO, L. G. e GALÍPOLO, G. Dinheiro. São Paulo: Editora Contra corrente, 2021, p. 118.

2 STREECK, W. Tempo comprado. São Paulo: Boitempo, 2018, p. 71.

3 HAYEK, F. A. O caminho da servidão. São Paulo: Instituto von Mises Brasil, 2010, p. 90.

4 STREECK, p. 55.

5 WOOD, E. Estado, democracia e globalização. In: BORON, A; AMADEO, J; GONZÁLEZ, S. A teoria marxista hoje. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 382.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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