O enclave norte-americano no Oriente médio, conhecido por “Israel” é uma teocracia. Os mais positivistas, dependentes químicos de conceitos estanques à realidade, negarão. Afinal o país não é governado por religiosos ou por monarcas ungidos.
No entanto, parcela significativa do poder político daquela colônia está nas mãos do Rabinato Maior (integrado por dois rabinos-chefes, um sefardita e outro asquenaze). O Rabinato-maior é um departamento do governo que concentra decisões sobre cidadania e não raro baixa “decretos religiosos” como o que, em 2010, proibiu a venda de casas a “não judeus”
E diferentemente da Igreja Romana – que apesar disso sempre enfrentou suas próprias dissidências -, o judaísmo em Israel não é centralizado por hierarquia e disciplina únicas. Além de correntes ortodoxas sefarditas não reconhecerem o poder político nem do rabinato, nem do próprio estado, existem diversas tendências asquenazes dentro das quais cada rabino “cria” as próprias versões interpretativas das escrituras.
Por exemplo, algumas comunidades religiosas admitem o fim da mutilação injustificável de meninos à guisa de circuncisão, e até o casamento homoafetivo, o que para outras são práticas abomináveis.
Essa aparente pluralidade se reflete no ordenamento jurídico israelense. O país não tem uma constituição, prevista desde sua fundação em 1948 e nunca escrita.
Em lugar de uma norma que oriente princípios e valores daquela sociedade, existem as “14 leis básicas de Israel”. São leis “quase constitucionais”, não sistematizadas (uma não necessariamente “conversa” com a outra) a respeito das quais os juízes não têm sequer consenso de que se sobreponham às demais leis comuns.
Uma dessas 14 leis básicas, aprovada por pequena maioria em 2018, define:
- Israel como “estado-nação do povo judeu”;
- as terras do país como do povo judeu;
- e explicita que assentar judeus na Faixa de Gaza, na Cisjordânia e nas Colinas de Golã é um “valor nacional”.
É quase desnecessário dizer que a lei israelense não reconhece o direito à autodeterminação de quaisquer outros seres humanos, sejam ateus, cristãos, budistas, hinduístas ou muçulmanos.
O fundamento último de toda essa segregação oficial, e do holocausto do povo palestino em última instância, é a ideia do “povo escolhido” por um amigo imaginário coletivo.
Por sua vez, o “povo escolhido” é a concepção ancestral ao “destino manifesto”, o senso (in)comum invocado pelos EUA para legitimar seu “direito” à dominação mundial. Por isso Biden definiu Israel como “a nação essencial” e prontamente abriu um 1° pacote de 205 bilhões de dólares em armas, para Israel, assim que se deu o ataque de 7 de outubro.
Acontece que o “povo escolhido” é também o tronco a partir do qual derivam o supremacismo sionista, o racismo e o fascismo israelenses.
E aqui a história dá uma volta completa.
Todos os anos, no 18 de abril, os israelenses guardam a Revolta do Gueto de Varsóvia em 1943. As sirenes soam e todo o país para por 2 minutos, em memória do holocausto. No entanto, pelas lentes do “povo escolhido”, a tragédia é vista e ensinada enquanto um crime contra os judeus e, por consequência, o fascismo (e sua versão alemã, o nazismo) é reduzido à ideologia que persegue os judeus.
O que o “povo escolhido” oculta é ser o fascismo a ideologia da escolha do “outro” para alvo de ódio, desumanização e extermínio. Por isso os genocidas israelenses se vêm não como fascistas, mas como detentores do direito de exterminar o diferente.
Afinal, o livro sagrado estabelece o dever de matar “homens e mulheres, crianças e recém-nascidos, bois e ovelhas, camelos e jumentos” dentre os que se oponham à escolha feita pelo amigo imaginário (Samuel, 15:3).
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.