Num texto de arrogância ímpar, típica do sionismo, um grupo que se autointitula “Coletivo Judias e Judeus de Esquerda” fez um ataque a uma das figuras mais respeitadas do país, o padre Júlio Lancellotti.
Aos 74 anos, Lancellotti tornou-se símbolo da luta pelos mais pobres, os moradores de rua, e da defesa dos direitos dos povos oprimidos ao redor do planeta.
No último sábado, ele esteve na manifestação em São Paulo que integrou o dia de mobilização mundial em defesa da Palestina e contra o genocídio promovido por Israel. Os sionistas “de esquerda” não gostaram e decidiram somar-se à lista de personagens sombrios do fascismo e do higienismo social que atacam o padre há anos.
Lancellotti disse o óbvio na manifestação: “Israel, além de ser um Estado assassino, é um Estado covarde que diz que é direito de defesa. Direito de defesa não é matar, direito de defesa não é ser covarde, ser assassino como estão sendo. Graças a Deus, nem todos os judeus e nem todos os israelitas comungam e apoiam esse governo assassino, esse governo que mata e que destrói o povo palestino”. Observe que Júlio Lancellotti fez a ressalva a todos os judeus e israelitas que se opõem ao genocídio.
Ele completou: “Estar aqui, hoje, é uma grande emoção e eu me sinto palestino”.
Antevendo o que viria, o padre anunciou: “Desafio aos covardes que defendem as armas, a parlamentares e mulheres e homens brasileiros sionistas e covardes, nos atinjam, nós estamos aqui para lutar e para morrer!”. Três dias depois, sobreveio o ataque.
O texto, com aparência condescendente, pretendeu aplicar uma lição em Lancellotti, com uma soberba típica: “Espera-se de uma figura tão representativa e atuante no movimento de Direitos Humanos, que demonstre o mesmo fervor com relação ao massacre de cerca de 1.400 israelenses, em sua maioria civis, entre eles bebês, jovens, mulheres, crianças e idosos, contemplando a história em sua totalidade, e não de forma parcial e sobretudo ofensiva, como realizou-se na manifestação mencionada. Esperamos que Padre Lancellotti se manifeste e denuncie o terrorismo do Hamas". Para os sionistas, contemplar “a história em sua totalidade” exclui os 6 mil palestinos e palestina mantidos como reféns nas prisões israelenses, mais de 200 deles adolescentes entre 12 e 15 anos; a “totalidade” sionista exclui os mais de 10 mil assassinatos na faixa de Gaza e na Cisjordânia ocupada em menos de um mês; na “totalidade” não cabe menção aos crimes de guerra cometidos pelo Estado de Israel. Nada disso merece atenção dos sionistas de “esquerda”.
O grupo apresentou seu “programa” no texto, exigindo adesão incondicional de Lancellotti a ele:
- “cessar-fogo imediato concomitante à libertação de todos os mais de 240 reféns feitos pelo Hamas” - o texto não menciona os mais de 6 mil palestinos reféns, que continuariam sequestrados por Israel na visão “pacifista” do sionismo tropical.
- “queda do atual governo de Israel encabeçado por Benjamin Netanyahu” - este é um ponto interessante. Os sionistas brasileiros “de esquerda” não têm qualquer desconforto com a política colonial de Israel. A questão é que eles são oposição política a Netanyahu em Israel e apoiam Yair Lapid, que querem ver como primeiro-ministro -ele seria “progressista”. Mas é apenas uma luta política intestina dentro do sionismo na qual a diferença entre eles inexiste. Lapid apoia o massacre em Gaza. Numa entrevista ao canal de TV francês LCI, poucos dias atrás, ao ser questionado sobre as colônias judaicas ilegais na Cisjordânia, foi taxativo: “"Não há colonização. Esta é a nossa terra bíblica histórica". Antes disso, fez uma declaração sobre a cobertura da imprensa: “Se a mídia internacional for objetiva, serve ao Hamas; se mostra os dois lados, serve ao Hamas”. Numa entrevista a uma TV israelense, Ram Ben-Barak, atual parlamentar do partido de Yair Lapid, e ex-diretor do Mossad, propôs que os palestinos de Gaza sejam expulsos “e acolhidos como refugiados em 100 países diferentes”. Quando os “sionistas de esquerda” pedem a queda de Netanyahu, o que querem no lugar é um governo sem grandes diferenças, apenas de seus amigos.
- o último ponto do programa dos sionistas brasileiros é uma afronta sem tamanho: “dissolução de todos os poderes militares e político do Hamas na Faixa de Gaza e início das negociações para a fundação de um Estado Palestino que conviva e coopere (grifo meu) com o Estado de Israel”. Eles pretendem decidir quem irá governar a Palestina e querem a garantia prévia de que será um governo submisso a Israel!
O texto é pedagógico, porque desnuda o caráter do movimento. Trata-se do velho sionismo racista e genocida.
A repercussão da ameaçadora carta-insulto foi enorme, como seria de se esperar. E quem se desnudou junto com o grupo foi um dos líderes da turma, Michel Gherman, saudado como um “democrata” pela mídia liberal. Espertamente, esperou cerca de três horas pela repercussão do texto insultuoso (divulgado por volta de 12h -hora de Brasília).Então, às 14h44 publicou no ex-Twitter: “Esclarecimento: Eu e @BrMeretz solicitamos a imediata retirada de nossos respectivos nomes da carta endereçada ao @pejulio relacionada à sua participação em uma manifestação. Na busca por um mundo melhor o diálogo é o melhor caminho.” A palavra “imediata” foi inserida no texto para transmitir a ideia de que a solicitação da retirada teria sido ato contínuo à publicação; mas, não: foi 2h45min depois. Quando sentiu que o barco estava balançando forte, pulou fora: este tipo de gesto tem um nome bem conhecido. Gherman não se dignou a explicar o motivo da retirada: porque discorda, porque concorda, porque faz calor, porque há ameaça de chuva. Só retirou-se convenientemente. E avisou que o Meretz Brasil, que se apresenta como partido “sionista de esquerda”, caiu fora também.
Aos poucos, as pessoas são informadas do que se trata o tal “sionismo de esquerda”.
A seguir, o discurso de padre Júlio Lancellotti, a carta-insulto, o tuíte do retirante Gherman, a entrevista e a declaração de Yair Lapid e a entrevista de Ram Ben-Barak: