Como tenho dito incansavelmente, não há como discutir a política no Brasil sem se passar pelo debate religioso, e isso não é novidade nenhuma. Não foi a “bancada evangélica” quem inventou isso, apesar de ser quem sequestrou o debate para pautas moralistas e absurdas, terreno onde dominam tanto o moralismo farisaico quanto o absurdo político, moeda principal do Bolsonarismo.
Mas (e também tenho dito isto diversas vezes) parece que boa parte da esquerda ou finge que não vê ou rejeita mesmo, conscientemente, o tema. Se fecha para um diálogo e a possibilidade de se disputar territórios e mentes e, pior ainda, condenam a religião a um estado de total alienação, como se fosse incompatível ser religioso e democrático. Como disse na minha coluna passada, muitas vezes a esquerda empurra “Deus” para o colo da direita. E a direita adora.
O principal argumento da esquerda para não se discutir a religião é a de que “o Estado é laico”. Aqui, incrivelmente, assemelham-se aos fundamentalistas em seus extremismos. Enquanto um fundamentalista religioso quer impor sua religião sobre o Estado, o fundamentalista esquerdista (sim, há diversos tipos de fundamentalismo!) quer extirpar a religião do Estado. Dois extremos do mesmo pêndulo, que desconhecem, no fundo, o que significa o Estado laico.
Laicidade não significa a extirpação da religião no Estado, mas a sua total separação em termos de “poderio”: Nem o Estado impõe sua vontade sobre a religião e nem a religião impõe sua interpretação de mundo ao Estado. Separação entre um e outro é uma coisa. Anulação de um pelo outro é outra coisa. Não se pode pensar a política de um Estado sem levar em conta aspectos fundantes da sociedade e, entre eles, inexoravelmente estará a religião, ainda mais por aqui em terras brasileiras. O ethos brasileiro é religioso, queiramos ou não.
Negar a religião e seu papel na política é apagar da história, por exemplo, a luta de muitos padres, freiras, freis e até mesmo pastores contra a ditadura. Muitos perderam suas vidas. Um dos maiores documentos sobre a ditadura, que resultou no livro “Brasil: Nunca mais” é obra de 3 grandes líderes religiosos: um padre, Dom Paulo Evaristo Arns; um pastor, Jayme Wright e um rabino, Henry Sobel. E é por aí que levo a minha argumentação neste artigo: ninguém melhor que os “de dentro” para enfrentar os fundamentalismos que querem se arvorar sobre o Estado.
Um exemplo recente: a atuação magistral do Deputado Federal e pastor Henrique Vieira, tanto no Congresso como um todo quanto na CPI dos atos golpistas de 08/01. Tanto que as palavras de Henrique causavam furor nos que, membros da perversa “bancada evangélica”, eram expostos em sua hipocrisia religiosa e política. Um evangélico progressista se torna um calo no sapato de uma bancada inteira. A simples presença dele no parlamento é uma denúncia da desfaçatez daqueles que, dizendo-se cristãos, querem impor ao Estado sua moralidade hipócrita e violenta. Até porque um verdadeiro cristão progressista, é, impreterivelmente, um defensor ferrenho do Estado Laico.
É só o Estado laico que nos garante a plena e saudável liberdade religiosa. É absurda, por exemplo, a simples existência de uma “bancada evangélica”, e a existência de Henriques, Mônicas (Mônica Francisco, Deputada Estadual no Rio, pastora pentecostal) é, hoje, uma necessidade no combate aos desmandos dos que querem dominar o país a partir de seu discurso religioso. Ninguém melhor para enfrentá-los do que alguém que, conhecendo bem o discurso e a realidade que também lhes atinge, pode confrontar, desafiar e expor o ridículo evangélico/católico que quer o poder total no país.
Fica, portanto, meu recado e, de certa forma, apelo aos partidos de esquerda do Brasil: invistam em candidaturas evangélicas progressistas, principalmente nas Cidades e Estados tomados pelo fundamentalismo religioso, onde as “bancadas da Bíblia” já são maiorias nas Câmaras e Assembleias. Isso era pra ontem, mas ainda dá tempo de consertar um pouco o estrago e, quem sabe assim, ampliarmos as forças na luta por um Estado verdadeiramente laico, onde todas as religiões possam trafegar sem medo, tendo direitos respeitados e sem querer impor a ninguém a sua prática religiosa.
Ainda há esperança! Ainda...
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum