Cerca de catorze horas depois do início do que o líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, definiu como "Tufão da Al Aqsa", dezenas de civis e militares israelenses foram tomados como reféns e levados de volta para o território de Gaza, uma área de apenas 360 quilômetros quadrados.
O território, sob constante monitoramento e cerco físico de Israel, é definido pelas próprias lideranças palestinas como uma espécie de campo de concentração a céu aberto, privado de itens essenciais para a sobrevivência de seus 2 milhões de habitantes.
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O ataque é sem precedentes.
Segundo a Al Jazeera, a inteligência militar israelense foi pega de surpresa e comandos formados por cerca de 300 combatentes do Hamas e da Jihad Palestina foram bem sucedidos ao derrubar cercas, entrar em cidades e colônias israelenses adjacentes a Gaza, matar e sequestrar militares e civis.
O balanço divulgado pela Al Jazeera fala em 150 israelenses mortos. Bombardeios de Israel contra Gaza, em retaliação, já teriam matado quase 200 pessoas.
O primeiro ministro de extrema direita Benjamin "Bibi" Netanyahu declarou guerra, convocou a operação "Escudo de Aço" e cogita formar um governo de frente única com a oposição.
A liderança do Hamas justificou a operação usando o nome da mesquita de Al Aqsa, em Jerusalém, considerado o templo mais sagrado para 1,6 bilhão de pessoas que se consideram muçulmanas no planeta.
Nos últimos dias, durante o feriado judaico do Sucot, centenas de colonos religiosos israelenses invadiram seguidamente a mesquita.
Partidos religiosos que permitiram a Netanyahu formar a maioria que o levou de volta ao poder defendem a judaização completa de Jerusalém.
Sob Yasser Arafat, o movimento palestino era essencialmente laico.
Agora, religiosos muçulmanos, que exercem crescente influência no conflito, tem denunciado seguidamente a violação do território sagrado, o que tem repercussão mundial.
A consequência imediata dos ataques das últimas horas foi enterrar de vez a moribunda solução dos dois estados, proposta endossada pela ONU.
O Hamas e a Jihad Islâmica Palestina tentam se credenciar como os únicos defensores do povo palestino contra os planos de Israel de expandir as colônias e, na prática, ocupar a Cisjordânia.
A palavra "apartheid" foi dita no discurso em que Ismail Haniyeh, do Hamas, anunciou o ataque. Ele disse que um dos objetivos era abolir o único regime do gênero ainda existente no planeta. Na África do Sul, o regime do apartheid foi extinto em 1994.
Ao longo dos últimos anos, Israel vem promovendo uma política de reaproximação com diversos países árabes, tradicionais financiadores dos movimentos de autonomia palestina.
É uma tentativa, até agora razoavelmente bem sucedida, de isolar os palestinos das mais influentes lideranças árabes.
Politicamente, os ataques coordenados pelo Hamas e a Jihad Islâmica tem como objetivo jogar a opinião pública árabe contra os governos que buscam normalizar as relações com Israel.
Israel tem poderio suficiente para inflingir dano ilimitado aos palestinos de Gaza, mas o custo político pode ser alto, especialmente se muçulmanos de outros paises se engajarem militarmente na defesa de Al Aqsa.
Netanyahu fica fortalecido num primeiro momento, com as mãos livres para retaliar.
O Hamas, igualmente.
Na visão dos palestinos, foi bem sucedido ao levar terror a civis israelenses na mesma medida daquele experimentado cotidianamente por civis de Gaza e da Cisjordânia, alvos constantes de ataques de colonos e de bombardeios indiscriminados.
O Hamas ganhou tração política argumentando que Israel jamais levou a sério a ideia de conviver lado a lado com um estado palestino de fato e que sempre teve o objetivo de comer a Palestina pelas bordas, palmo a palmo, combinando ação militar, política e diplomática, sempre com apoio dos Estados Unidos.
Vítima dos acontecimentos das últimas 14 horas, a Autoridade Palestina, presidida por Mahmoud Abbas, tornou-se uma peça de ficção.
Por enquanto, vence a ideia de "guerra total", com tinturas fortemente religiosas. Mas a denúncia do apartheid, adotada de saída pelo Hamas, tem o potencial de solapar o tradicional e automático apoio da opinião pública do Ocidente a Israel.