Três médicos são executados em um quiosque diante do hotel em que estavam hospedados para um congresso no Rio de Janeiro.
Nos tempos atuais, a tendência natural da idiotia seria dizer: ah, mas eram brancos de classe média em bairro nobre, a mídia não fala dos negros executados na periferia.
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Porém, os supostos executores logo foram encontrados, fuzilados, dentro de automóveis na Gardênia Azul, bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro.
Teriam confundido um dos médicos com o verdadeiro alvo, Taillon de Alcântara Pereira Barbosa, um dos líderes da milícia de Rio das Pedras.
Mensagem errônea de um rival de Taillon e de seu pai, Dalmir, teria levado os assassinos ao alvo errado e à execução de improviso, sempre segundo a versão inicial da polícia.
Sete mortos em algumas horas na capital brasileira do turismo.
É a trágica fotografia que resume a mexicanização do Brasil.
Um fenômeno antigo.
Na margem do rio Solimões, no Amazonas (ver reportagem acima), um homem apavorado confessa que integrava uma quadrilha de piratas.
Ao lado dele, o corpo de um comparsa morto a machadadas.
Um vídeo registra a confissão do homem.
Sob pressão, ele diz nomes de outros integrantes de sua quadrilha, especializada em roubar traficantes que descem o rio Solimões com cargas de cocaína em direção a Manaus e Belém.
O vídeo eu recebi de um ex-delegado de polícia de Coari, no Amazonas, tida como terra de piratas.
Poucos dias antes havia visitado a cidade, disfarçado de turista, por conta do risco de vida que correm jornalistas que tentam contar essa história.
O policial nos recebeu na sede da delegacia, que havia sido assaltada. Levaram armas e munição.
Durante o almoço num restaurante de Coari, o delegado sentou-se de frente para a porta de entrada, temendo ser alvo de um tiro disparado à distância.
Ele nos levou até o presídio local, onde mulheres de presos faziam manifestação contra a transferência dos maridos para Manaus.
Lá, gritavam elas, eles seriam executados dentro do sistema penitenciário por traficantes ligados à Família do Norte, sob a acusação de serem piratas.
Na campanha eleitoral de 2008, nos Estados Unidos, houve uma impressionante mudança de planos do candidato a candidato Barack Obama, do Partido Democrata.
A primeira versão de sua plataforma falava em apoiar governos da América Latina que estivessem voltados para combater a miséria.
Países não foram citados, mas à época isso incluiria Evo Morales e Hugo Chávez, cujos governos tinham essa prioridade.
Uma vez escolhido candidato, a plataforma de Obama mudou radicalmente, possivelmente capturada pelos lobbies que em geral ajudam a financiar campanhas.
Agora, dizia o texto, a prioridade de Obama deveria ser a de armar as polícias locais, um negócio altamente lucrativo para o complexo industrial militar dos Estados Unidos.
Se Obama abandonou o ataque a um problema estrutural, imaginem os governos da América Latina, incapazes de enfrentar poderosas elites políticas e econômicas locais que apostam na concentração de renda e no consequente encarceramento em massa.
As tragédias do Rio de Janeiro e da Amazônia dos piratas, grosseiramente, decorrem disso.
As soluções à direita resultam em massacres injustificáveis, como a chacina do Guarujá, que rende votos fáceis ao custo da punição coletiva implementada por quem tem poder de polícia.
As soluções à esquerda são incompatíveis com a perseguição de metas econômicas com tinturas neoliberais, como o déficit zero e o esgarçamento de regras constitucionais que garantem investimento básico em Saúde e Educação.
Na Folha de S. Paulo, o professor Conrado Hübner Mendes resumiu de forma brilhante, ao "comemorar" os 35 anos da Constituição de 1988:
Os números de homicídios [no Brasil] giram em torno de 50 mil por ano (quase 80% de pessoas negras). Como em nenhum outro lugar, a polícia continua a matar (quase 7.000 em 2022) e a morrer (161 policiais).
Fomos vice-campeões em assassinatos de ambientalistas no ano passado. Em assassinatos de jornalistas, fomos melhores que Haiti, México e Ucrânia.
Estamos entre os cinco que mais matam mulheres e crianças. Matamos pessoas trans como nenhum país.
A população carcerária cresceu 20% nos últimos cinco anos. É a terceira do mundo em números absolutos e a 14ª per capita.
Prisões têm sido centros de treinamento gratuitos para o crime organizado, que expande seus membros no sistema político. O STF continua a manter ladrão de shampoo na prisão.
Queríamos remover o "entulho autoritário". Nesse período, que nossos parâmetros aprenderam a chamar de democrático, incrementamos e diversificamos um vasto estoque autoritário e de tolerância à delinquência política. Essa estrutura institucional e doutrinária viabilizou Jair Bolsonaro. Seus dispositivos continuam vigentes.