"Armas, drogas e dinheiro; tudo é justo nos negócios e na guerra". Essa frase resume a essência do filme Cães de Guerra (2016) - disponível na HBOMax - dirigido por Todd Phillips (Coringa, Se Beber Não Case) e estrelado por Miles Teller (Whiplash, O Maravilhoso Agora) e Jonah Hill (O Lobo de Wall Street, Superbad). Baseado em uma história real - o esquema de Diveroli e Packouz foi exposto em um artigo da Rolling Stone - o filme de ação oferece uma visão perturbadora e, ao mesmo tempo, intrigante do complexo mundo dos mercenários e traficantes de armas.
Cães de Guerra conta a história de David Packouz (Miles Teller) e Efraim Diveroli (Jonah Hill), dois amigos que veem uma oportunidade de enriquecer rapidamente ao entrar no lucrativo mercado de fornecimento de armas e munições para o governo dos Estados Unidos, no auge da Guerra no Iraque. Com a ajuda de conexões sombrias e pouco escrupulosas, eles conseguem fechar um contrato de U$ 300 milhões com o governo dos EUA para transferir mercadoria ilícita - armas de todos os tipos - aos aliados dos americanos no Afeganistão, mesmo a dupla não tendo nenhuma experiência no ramo - e logo se veem envolvidos em um mundo repleto de corrupção, traição e moral duvidosa.
A máquina de guerra dos interesses capitalistas
Através de um intricado sistema de licitações, empresas de defesa ganham contratos multimilionários para fornecer equipamentos militares. Essas empresas não têm interesse na paz, pelo contrário, prosperam na instabilidade e na perpetuação de conflitos armados.
O filme lança uma luz implacável sobre os mecanismos do sistema capitalista - sangue é lucro! Ele destaca como as empresas de defesa buscam constantemente expandir seus lucros - à custa de vidas humanas. A falta de regulamentação e a busca desenfreada por riqueza criam um terreno fértil para a corrupção, uma característica que está enraizada no capitalismo.
É impossível assistir ao filme e não traçar paralelos com conflitos atuais, seja na Guerra na Ucrânia, na guerra entre Israel e a Palestina - onde décadas de conflito alimentam uma próspera indústria armamentista - ou qualquer outra guerra - a paz não é lucrativa no capitalismo, e isso é uma triste realidade.
A ambição cega
Efraim Diveroli é um exemplo extremo da ganância que impulsiona a maioria dos indivíduos no sistema capitalista. Ele está disposto a fazer qualquer coisa - incluindo violar leis e valores éticos - para enriquecer. Sua falta de escrúpulos é um reflexo do lado sombrio da busca desenfreada por riqueza, que ignora as consequências morais.
David Packouz representa a dualidade moral que muitas pessoas enfrentam quando confrontadas com decisões éticas em um sistema capitalista. Embora inicialmente ele esteja relutante em entrar no mundo corrupto do tráfico de armas, ele cede à tentação do dinheiro fácil. A luta interna de David é um microcosmo das tensões morais que o capitalismo frequentemente coloca sobre as pessoas.
David e Efraim não conseguem entrar no mercado de armas sem a ajuda de conexões sombrias e corruptas. Essas conexões são um reflexo das redes de influência que operam nos bastidores do mundo dos negócios. O filme levanta questões importantes sobre a influência política e os lobbies da indústria de armas, que podem moldar - e moldam - a política externa de uma nação de acordo com seus próprios interesses financeiros.
A tragédia da normalização da guerra e a ética do jornalismo
A normalização da guerra é um tema constante no filme - e podemos observar o mesmo na mídia e nas redes sociais. À medida que os personagens se afundam cada vez mais nesse mundo de corrupção e violência, eles começam a aceitar a guerra como algo comum, quase rotineiro. Isso ressoa com teorias sociológicas, como a "banalização do mal" de Hannah Arendt, que argumenta que atos terríveis podem se tornar normais quando as pessoas deixam de questioná-los.
Os meios de comunicação têm o poder de moldar a percepção pública sobre conflitos armados e questões éticas - e com mais frequência o vemos sendo parciais, e até mesmo propagando fake news lidas nas redes sociais. Como a mídia aborda essas questões pode influenciar profundamente a opinião pública e, consequentemente, as políticas governamentais - e por isso devemos ficar atentos aos jornalistas sem ética, que nem ao menos checam suas fontes, e às publicações que dão espaço para eles. Isso nos lembra da responsabilidade dos meios de comunicação em relatar com precisão e ética eventos relacionados a conflitos - e temos que cobrar essa responsabilidade!
A necessidade de responsabilidade
O filme nos lembra da necessidade de responsabilidade em todas as esferas da sociedade. Seja nas empresas, no governo ou no comportamento individual, a ganância não deve ser desculpa para a falta de responsabilidade. A promoção de um sistema que valorize a prestação de contas e a ética é fundamental para evitar que a ganância continue a impulsionar conflitos e corrupção.
Cães de Guerra encoraja os espectadores a questionar o sistema, a moralidade e a ganância que estão no cerne de todos os conflitos mundiais. Como espectadores, somos convidados a refletir sobre nossos próprios valores e a considerar o impacto que nossas escolhas individuais e coletivas têm no mundo que habitamos.
Uma abordagem antropológica
O filme também oferece uma visão antropológica e filosófica sobre a natureza humana. O desejo de poder e riqueza é um tema recorrente na história, desde as civilizações antigas até os dias atuais. Teorias como o "materialismo histórico" de Karl Marx e o "egoísmo racional" de Ayn Rand ecoam na trama do filme. A busca incessante por mais - frequentemente às custas dos outros - é um leitmotiv que ressoa ao longo da narrativa.
"Viver é ganhar" é uma das frases icônicas do filme, e ela encapsula a mentalidade que permeia uma sociedade em que o dinheiro é o valor supremo. A busca incessante por lucro em todos os aspectos da vida é um sintoma de uma sociedade que muitas vezes coloca o individualismo egoísta acima do bem-estar coletivo.
O filme também levanta questões sobre a consciência coletiva e a moral da sociedade em relação à guerra. Em um mundo onde conflitos armados são frequentemente justificados por razões políticas e religiosas, o filme nos força a questionar nossa própria complacência em relação a essas questões. O quanto somos cúmplices ao permitir que a ganância e o interesse próprio prevaleçam sobre valores mais elevados de paz e justiça?
A necessidade de uma sociedade justa
Mudanças significativas na sociedade muitas vezes resultam de movimentos sociais que pressionam por reformas, maior transparência e responsabilidade - não podemos esperar que as mudanças estruturais venham de cima para baixo. Discussões sobre como as pessoas podem se unir para criar mudanças reais em direção a um mundo mais pacífico e ético são fundamentais.
E, também, uma sociedade mais informada e educada está melhor equipada para questionar a ganância e a corrupção. A educação pode ser vista como uma ferramenta fundamental para transformar a mentalidade de uma sociedade em busca de valores mais elevados.
Cada pessoa tem o poder de tomar decisões éticas em sua vida diária. Isso pode servir como um lembrete de que, embora o sistema capitalista seja falho, a responsabilidade individual desempenha um papel crucial na busca de uma sociedade mais justa.
Uma sociedade que alimenta a ganância
O verdadeiro vilão da história não é um indivíduo, mas o sistema capitalista que valoriza o lucro acima de tudo. Cães de Guerra serve como um lembrete de que, enquanto o capitalismo persistir, a guerra continuará sendo lucrativa. Fica a questão: quando a busca por riqueza supera a busca pela paz, o que resta para a humanidade?
Enquanto os protagonistas acumulam riqueza, é importante lembrar que, nos bastidores, pessoas reais estão sofrendo as consequências da guerra. Vidas são perdidas, famílias destroçadas e comunidades inteiras destruídas - tudo em nome do lucro. Isso nos lembra da importância de considerar as implicações humanas antes de priorizar o ganho financeiro.
É possível encontrar a paz no capitalismo?
No final das contas, o filme nos convida a refletir sobre nossa própria participação no sistema que perpetua a ganância e a guerra. Pode ser fácil apontar o dedo para personagens como Efraim e David, mas eles são apenas um sintoma de um problema mais amplo - a ganância capitalista.
Enquanto a humanidade não confrontar as complexas questões de ganância, moralidade e ética, estaremos condenados a repetir os erros do passado.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum