A tentativa de higienização étnica que Israel busca promover na Palestina, respaldada pelo apoio dos Estados Unidos, é uma tragédia de proporções alarmantes. Os ataques reiterados contra civis têm resultado na destruição de milhares de lares, hospitais e, o que é ainda mais angustiante, a perda de vidas inocentes, incluindo crianças. Essa realidade assustadora lança uma sombra sobre os princípios fundamentais de humanidade, dignidade e direitos humanos. A higienização étnica, em suas várias formas, atenta contra a integridade e a existência de uma comunidade, deixando cicatrizes indeléveis na história e na consciência global.
A desumanização dos palestinos é outra faceta dolorosa do conflito em Israel-Palestina. Ao associar de forma falaciosa todo um povo ao grupo Hamas, organização designada como terrorista, ocorre uma generalização injusta. Essa narrativa distorcida visa justificar ações de destruição e agressão por parte de Israel. Essa estratégia de manipulação de narrativas tem um impacto profundo na percepção global do conflito, isso cria um ambiente propício para minimizar a tragédia que ocorre na Palestina, sob o pretexto de "justiça". A destruição contínua da Palestina, especialmente quando apoiada por poderosas nações como os EUA, adquire uma aura de legitimidade aos olhos de muitos.
A obra do filósofo camaronês Achille Mbembe, "Necropolítica", oferece uma perspectiva penetrante sobre a dinâmica de poder que subjaz à preservação e privação da vida dentro de uma sociedade. Através do conceito de biopoder -capacidade de controlar a vida e a morte dos indivíduos, exercendo um poder que vai além do simples controle político, atingindo o corpo e a existência dos cidadãos- Mbembe revela como a capacidade de determinar quem deve viver e quem deve morrer se torna uma ferramenta de segregação, cunhada e mantida pelo Estado. Esta é uma realidade que ecoa de maneira contundente nas relações entre Israel e Palestina, onde a ocupação e o controle se entrelaçam em uma narrativa colonial persistente.
Os interesses norte-americanos têm desempenhado um papel fundamental na sustentação da dinâmica entre Israel e Palestina. A aliança estratégica entre os dois países é alimentada por questões religiosas e econômicas, onde os EUA veem em Israel uma extensão de seus interesses no Oriente Médio. Ao fornecer apoio financeiro, militar e diplomático a Israel, os Estados Unidos estão, de fato, endossando e fortalecendo a capacidade de Israel de exercer sua força militar na região. Isso implica uma autorização tácita para ações que muitas vezes resultam em perdas significativas para a população palestina. A persistência dessa dinâmica não apenas mantém a tensão na região, essa relação exacerba a necropolítica na região, dando a Israel o poder de decidir quem deve morrer na Palestina. A influência americana é um testemunho vivo do prolongamento da colonialidade, permeando a região sob uma nova roupagem e ampliando a aplicação do biopoder, como definido por Mbembe.
O apoio ao ataque contínuo de Israel à Palestina é um reflexo direto da dinâmica de poder. A estrutura de dominação norte-americana, longe de ser obsoleta, é revitalizada e reforçada, mascarada sob a bandeira da soberania e manutenção da ordem social vigente. Os interesses geopolíticos e econômicos dos EUA na região muitas vezes eclipsam as considerações humanitárias, contribuindo para um ciclo de violência contínua. A recusa dos EUA em apoiar a formação de corredores humanitários para a evacuação de civis inocentes é uma triste confirmação, tanto da higienização étnica, como do biopoder que permanece nas mãos daqueles que detêm o controle.
Essa situação, como sugere Mbembe, não é insuperável. A resolução reside na desarticulação das estruturas de poder que perpetuam a necropolítica. É necessário desafiar a narrativa de dominação, desvelar a máscara da soberania que encobre a verdadeira natureza desse controle. A solidariedade internacional e a pressão sobre os atores envolvidos são fundamentais para desmantelar a lógica de morte que permeia a região. A reflexão sobre a necropolítica em Israel-Palestina nos convoca a confrontar a natureza insidiosa do biopoder e suas implicações devastadoras. Somente ao desafiarmos e desmantelarmos essas estruturas de poder podemos abrir caminho para uma nova narrativa, baseada na dignidade humana e no respeito à vida. A busca por uma solução justa e duradoura requer um compromisso coletivo de transformação e resistência contra as forças que perpetuam a necropolítica em todas as suas manifestações.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.