INVESTIGAÇÃO

CPMI do 8/1, tiro no pé e baixo nível político da extrema direita – Por Thiago Trindade Lula da Silva

O relatório da CPMI, o oficial, que tem valor processual e valor histórico, é uma vitória da democracia

Atos terroristas de 8 de janeiro.Créditos: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investigou as movimentações golpistas que culminaram na invasão e depredação da praça dos três poderes em Brasília, em 8 de janeiro de 2023, teve um relatório final robusto e contundente, contrário às expectativas daqueles que forçaram sua existência.

Primeiro é preciso lembrar que essa CPMI só foi instaurada por pressão de parlamentares bolsonaristas, uma vez que as investigações já estavam acontecendo na Polícia Federal e não era interessante para o governo gastar tempo e energia abrindo uma investigação paralela. A tese dos extremistas de direita era compor a CPMI criando novas e difusas narrativas sobre o que ocorreu nos processos que levaram ao fatídico 8 de janeiro, podendo assim criar suas versões e manipular a opinião pública. Bom, essa tese foi um belo tiro no pé.

A ideia de um golpe de Estado atravessou todo o mandato de Bolsonaro, que durante os quatro anos que ficou na presidência repetiu uma ideia falsa de falha no sistema eleitoral, nunca deixando essa pauta ser esquecida, também atacava mais do que frequentemente as instituições como o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Sempre deixou muito claro que não respeitava essas instituições, apesar dele e seus familiares terem sido eleitos dezenas de vezes por esse mesmo sistema. Jair tendo oito mandatos, Flávio cinco, Carlos seis. Também mentia quando dizia atuar dentro das quatro linhas, já que frequentemente se encontrava jogando fora de campo, como no caso das joias, por exemplo.

Pra quem acompanhou as movimentações da extrema direita pós-eleição viu claramente a construção de uma tentativa cada dia mais alucinada de um golpe de Estado. Para o povo radicalizado, a narrativa já estava posta e a tarefa era clara: pedir para o Exército Brasileiro intervir no resultado das eleições. Enquanto o povo fazia seu papel nas ruas, as articulações golpistas aconteciam nos bastidores. A máquina de fake news trabalhou a todo vapor convocando cada dia mais os chamados patriotas para bloquear estradas e acampar em frente aos quartéis militares do Brasil inteiro. E o pedido era tão claro quanto criminoso, pediam intervenção militar, pediam golpe de Estado. Faziam questão de ser claros nos pedidos criminosos, e mais questão ainda de mostrar seus rostos. Pois como já falei em outro artigo meu - recomendo a leitura - aprenderam que quem aparece mais tem mais chance de ganhar uma boquinha do Estado na próxima eleição.

Os bastidores sustentavam as vontades golpistas, Bolsonaro e líderes da extrema direita nunca disseram uma palavra para diminuir o ímpeto golpista. Muito pelo contrário, Bolsonaro demorou 30 dias para fazer o primeiro pronunciamento pós-eleição, não reconheceu sua derrota e inflamou sua base dizendo que era uma indignação justa. Os militares nunca lidaram com os manifestantes criminosos de forma correta, apesar de conhecermos muito bem o modus operandi quando, por exemplo, são professores pedindo valorização do seu trabalho.

Imersos na mentira e na ideologia nefasta, os golpistas tinham convicção que seu plano daria certo. O tempo foi passando, as tais 72 horas não chegavam e o movimento foi crescendo e se radicalizando a cada dia. Tudo era registrado nas redes sociais, os golpistas gravavam vídeos e faziam a cobertura ao vivo das movimentações, sempre convocando mais gente. Tudo tão claro quanto a luz do dia. O que proporcionou muitos momentos tragicômicos, como o hino pro pneu, a intervenção alienígena, o patriota do caminhão. Mas também levantavam muitas suspeitas, pois a infraestrutura dos acampamentos impressionava. Ao passo que as autoridades não se mexiam, mais gente integrava o movimento e mais recursos eram oferecidos. Cozinhas grandes, churrasco, bebida, shows, tudo de graça para os manifestantes criminosos. Claramente havia financiadores.

De outubro a dezembro o tempo passou, as articulações nos bastidores não se concretizaram, Bolsonaro fugiu do país entre o atentado terrorista com bomba no aeroporto de Brasília na véspera do natal e a posse presidencial. Para a tristeza de muitos e a felicidade da maioria da população, Lula subiu a rampa como presidente do Brasil pela terceira vez. Sete dias depois, em 8 de janeiro de 2023, o ápice da radicalização golpista se deu na Praça dos Três Poderes. Era um domingo e não havia servidor público trabalhando ali, mas havia golpistas. As imagens registradas ao vivo não deixam dúvidas sobre a conivência das forças policiais durante a invasão. Corporação e estrutura de defesa corrompidas pela ideologia golpista de extrema direita.

A CPMI, apesar de desnecessária a princípio, se mostrou muito reveladora. Foram chamados como testemunhas, convocados como réus e abertas investigações contra muitos nomes fundamentais para todo esse processo golpista. Nomes como Anderson Torres (ex-ministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro), Tenente Coronel Mauro Cid (ex-ajudante de ordem de Bolsonaro), General Augusto Heleno (Ex-ministro chefe do GSI de Bolsonaro), General Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil e da Defesa), Silvinei Vasques (ex-diretor da PRF), Carla Zambelli (deputada federal - PL) e muitos outros.

A investigação da Polícia Federal que ocorreu em paralelo alimentou a condução da CPMI com apreensão de celulares e documentos. Foram encontradas minutas golpistas (espécie de rascunho de documento) em posse de Anderson Torres e Mauro Cid. Nesses documentos era descrito um passo a passo de como se daria o golpe. E sem surpresa alguma, o papel do povo na rua seria fundamental. As invasões da Praça dos Três Poderes serviriam como um estopim do caos para a intervenção dos militares a partir da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), seguindo uma série de passos até a garantia da permanência de Bolsonaro no poder.

A cada nova prova recolhida pela Polícia Federal e a cada novo depoimento na CPMI ficava mais clara a organização e o papel de cada personagem para o golpe de Estado. Novamente, tudo tão claro quanto a luz do dia. Os defensores de Bolsonaro tentaram a todo custo negar os fatos, as imagens, os vídeos, os documentos e eles próprios, uma vez que durante os acampamentos muitos deles incentivaram e inflamaram o movimento, sendo tudo registrado em vídeo. Mesmo assim, queriam emplacar a tese de que a culpa seria do atual governo, mas qualquer parlamentar sério não cairia nesses devaneios.

Ao final da CPMI, o que era óbvio foi mais do que exposto e o texto final se empenhou em apontar os processos e seus personagens. O relatório conta com uma lista extensa de pedidos de indiciamento, abrindo com Bolsonaro, passando por Augusto Heleno, Braga Netto, Anderson Torres, Mauro Cid, Carla Zambelli e outros mais de cinquenta nomes, tanto civis quanto militares. Cabendo agora ao Ministério Público prosseguir com o processo de denúncia dos indiciados.

A tese da extrema direita foi facilmente desmontada diante de tanta prova, no entanto, desenvolveram um relatório paralelo que não tem valor nenhum senão o de querer parecer uma oposição competente. O baixo nível político da extrema direita se mostra em suas atuações no Congresso Nacional. São muito bons quando se trata de fazer vídeos para a internet, principalmente incitando golpe de Estado, mas são incompetentes para fazer os debates reais e necessários que melhoram a vida do povo.

O relatório da CPMI, o oficial, que tem valor processual e valor histórico, é uma vitória da democracia. Investigar o processo de tentativa de golpe de Estado, verificar os fatos subjetivos (de ordem ideológica) e objetivos (de ordem cronológica), identificar os culpados (boa parte), incluindo militares de altíssima patente, e apontar os mandantes é algo imprescindível para fortalecer a democracia e reduzir as chances de uma nova tentativa de golpe. Algo que talvez tenha faltado ao final da ditadura.

Cabe agora torcer e fazer pressão para que o Ministério Público faça seu trabalho e seja firme na defesa da Constituição e da democracia. 

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.