A proposta feita pelo presidente Lula, de um cessar-fogo entre Israel e o Hamas para que crianças e mães deixem a faixa de Gaza em direção ao Egito, se cumprida exigiria mover mais de um milhão de pessoas em curto espaço de tempo.
De acordo com o escritório central de estatísticas da Palestina, em comunicado de 2018, 48% de todos os moradores de Gaza são crianças.
O território, de apenas 365 quilômetros quadrados, tem mais de 2,3 milhões de habitantes.
Hoje, o embaixador da Palestina nas Nações Unidas defendeu outra solução: a entrada de ajuda humanitária, o que vai contra a decisão de Israel de isolar Gaza completamente.
Colocar em prática a proposta de Lula teria enormes implicações políticas, econômicas, diplomáticas, demográficas e de logística.
Qual seria o destino das crianças e de suas mães? O Egito? Elas poderiam retornar ou não depois do conflito? Como lidar com as crianças distantes de seu território de origem e de seus pais e parentes mais próximos?
A ideia de mover a população árabe para outros paises não é novidade em Israel, só que definitivamente.
A Grande Israel é um sonho da direita religiosa que, embora minoritária no Parlamento, joga um papel decisivo na formação das coalizões governistas.
O ministro das Finanças do governo de Benjamin Netanyahu, Bezalel Smotrich, já declarou publicamente que "a anexação completa da Cisjordânia é necessária para criar uma realidade clara e irreversível e extinguir qualquer ilusão de um estado palestino".
Smotrich também tem funções no ministério da Defesa. Ele é a principal liderança do Partido Sionista Religioso, que tem apenas sete cadeiras no Parlamento de Israel.
Num discurso em Paris, Smotrich afirmou que o povo palestino não existe.
Existe uma história ou cultura palestina? Não. Houve árabes no Médio Oriente que chegaram à Terra de Israel ao mesmo tempo que a imigração judaica e o início do sionismo. Após 2.000 anos de exílio, o povo de Israel estava voltando para casa, e havia árabes ao nosso redor que não gostavam disso. Então, o que eles fazem? Eles inventam um povo fictício na Terra de Israel e reivindicam direitos fictícios na Terra de Israel apenas para combater o movimento sionista.
Smotrich foi um dos principais defensores da reforma que diminuiria os poderes da Suprema Corte de Israel, que proibiu a legalização de assentamentos judaicos construídos em terra de propriedade de palestinos.
Sua colega de partido e ministério, Orit Strok, defendeu publicamente a retomada de Gaza, da qual Israel se afastou em 2005 depois de 38 anos de controle militar direto.
Gaza e a Cisjordânia deveriam formar o estado palestino independente projetado pela ONU.
Com a aproximação de Israel de diversos paises árabes, com os quais reatou relações diplomáticas, o discurso da direita religiosa em defesa de uma Grande Israel ganhou força.
Em sua controversa fala negando a existência de um povo palestino, Smotrich estava ao lado de um mapa que suprimia até a existência da Jordânia.
Nos últimos meses, Israel e Arábia Saudita negociavam reatar relações diplomáticas.
A normalização enfraqueceria ainda mais o apoio à causa palestina entre governos árabes.
O discurso pela expulsão dos palestinos ganhou tração ao longo dos governos extremistas de Benjamin Netanyahu, o primeiro ministro mais longevo de Israel, da mesma forma que Jair Bolsonaro naturalizou falas impensáveis nos governos que o antecederam.
Akiva Elder, colunista do diário de esquerda Haaretz e crítico do primeiro ministro, definiu Netanyahu em recente entrevista como um "vendedor de ódio".
A população de Israel ainda é hoje majoritariamente secular, mas com taxa de natalidade bem inferior à dos ultra-ortodoxos. Mulheres haredim tem em média sete filhos, contra dois das demais.
Projeções demográficas sustentam que em 2050 os árabes serão a maioria da população vivendo entre o rio Jordão e o Mediterrâneo.
A ultradireita explora esta projeção da mesma forma que faz nos Estados Unidos, onde uma quantidade razoável dos eleitores de Donald Trump teme que a futura maioria de negros e hispânicos ocupe definitivamente o poder.
Já o crescimento da população ultra-ortodoxa acima da média nacional terá profundo impacto político em Israel a longo prazo, pois trata-se de uma comunidade que vota em bloco, em geral alinhada com a extrema-direita.