ANÁLISE

Por que o topo do muro é de direita? – Por Thiago Trindade Lula da Silva

Ser de esquerda num mundo tão opressor e com tantas amarras, físicas e mentais, é conseguir quebrar todos os dias as barreiras do senso comum

Congresso Nacional.Créditos: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Escrito en OPINIÃO el

Começo pegando um belo gancho do vídeo da Rita Von Hunty, em seu canal no YouTube Tempero Drag, chamado “Como a direita fala?”, onde Rita elabora sobre a brilhante Marilena Chauí no livro “Cidadania Cultural: o direito à cultura”. É interessante entender o porquê é fácil ser de direita no Brasil e, hoje, também tão fácil cair na extrema direita.

Mais uma vez, gosto de usar uma frase solta no imaginário brasileiro que nos acompanha diariamente: “Se ficar em cima do muro, cai pra direita”. É claro que essa frase é mais nichada da própria esquerda, mas reflete muito bem o que Rita, Marilena e nós de esquerda entendemos pelo senso comum. Essa frase diz que aquele que não se posiciona ao lado dos oprimidos, invariavelmente se posiciona ao lado dos opressores, e isso é verdade para a grande maioria dos casos.

Como já elaborei em minha coluna anterior - recomendo a leitura - a falta de consciência política é um projeto muito bem estruturado pelos atuais vencedores desse jogo político-econômico.

As formas que se configuram hoje o conservadorismo e o reacionarismo que compõem a extrema direita brasileira são muito bem arquitetadas. Por exemplo, o senso comum do “bandido bom é bandido morto” na boca do trabalhador é o exercício do domínio sobre o senso crítico deste trabalhador, que não entende que o “bandido” na maioria dos casos é ele próprio.

E o papel da criação do senso comum, da criação do imaginário, da estética, é construído ao longo do tempo. Não aparece do nada, tampouco desaparece com facilidade. Cada frase atinge o brasileiro num sentimento específico, normalmente gerando dor e revolta, mas sempre tomando o cuidado para não elaborar sobre tal questão, nunca chegando perto do problema real ou dos reais culpados. Também muito comumente misturam o público com o privado, tornando problemas de ordem social em problemas individuais e vice-versa. Dessa forma há uma garantia de um exército defendendo interesses como se fossem deles próprios.

A quem interessa uma resposta maldada para uma pergunta extremamente complexa e fundamental para os problemas que nos afligem? Ora, claramente não interessa a quem quer de fato resolver esses problemas.

O fundamentalismo religioso entra nessa mistura do senso comum num lugar do sagrado, mas que é corrompido todos os dias. Neste lugar corrompido do sagrado são desvirtuados conceitos também fundamentais, como: vida, amor, família, prosperidade, direitos etc. Essas muitas misturas fazem com que uma mesma pessoa diga que é pró-vida e advogue pela morte.

Nesse mar de incoerências, nessas misturas feias entre maldades, preconceitos, senso comum, fundamentalismos, a extrema direita ganha espaço na sociedade de modo organizado e com método. Não à toa elegeram um fascista e muitos de seus seguidores para os cargos mais altos da República. Hoje, mesmo o líder já inelegível e com os dias de liberdade contados, a extrema direita se mantém coesa e organizada. Na sociedade civil, continuam crescendo dentro das redes sociais, enquanto que nos espaços de poder continuam atuando na implementação de sua visão de mundo.

É claro que, para quem acompanha as CPIs que dão mais audiência, os parlamentares da extrema direita parecem ser os mais perdidos dentro de sua própria agenda. Instauraram a CPI do MST após muita gritaria e nem sequer conseguiram produzir um relatório final. Também têm tomado muita porrada na CPMI do 8 de janeiro. Apesar disso, eles também obtêm algumas vitórias em comissões parlamentares importantes, como no caso da proibição do casamento gay.

Mas essa atuação no Congresso Nacional é apenas uma das frentes de sua batalha ideológica. Eles continuam ocupando muitos cargos no Estado brasileiro, e isso é de se ficar de olho, pois seu mote ideológico é justamente o de corromper as instituições, confundir o público e o privado faz parte da sua luta diária.

No Congresso Nacional a oposição mais forte ao governo continua sendo o chamado “centrão”, pois este aglomerado tem projeto de país. Mesmo que seja péssimo para nós, ele existe. Enquanto a extrema direita faz muito barulho, continuam com seu projeto de dominação e extermínio, mas já se mostraram muito incompetentes para serem chamados de oposição real.  

A grande mídia tem feito papel de oposição e porta-voz da extrema direita com muito mais eficiência do que muitos parlamentares. Pois eles ocupam, também, muitos desses cargos e propagam mentiras nos grandes jornais do país. Gerando, inclusive, atritos internacionais e favorecendo a extrema direita argentina, por exemplo. Sempre tendo um papel fundamental na manutenção do poder e propagação de suas ideias.

O brasileiro levado pelo senso comum, pelo discurso confuso e contundente, parece que cai numa espécie de areia movediça. Se afunda cada vez mais em um mundo de ideias que não se sustenta, faz ligações cada vez mais absurdas entre realidade e mentira. É mais fácil ser de direita porque a direita perdeu a vontade e o preciosismo de se manter com os dois pés na realidade. Tornou-se mais fácil para aqueles que estão vencendo o jogo político-econômico fingir que explicam algo do que procurar respostas para os problemas reais.

Enquanto boa parte da direita brasileira não quer mais tratar dos problemas reais, o atual governo continua atuando para melhorar a vida do povo, criando políticas públicas que garantem moradia, acesso à educação, saúde, etc. O PIB continua crescendo vigorosamente e a distribuição dessa riqueza é cada dia mais assegurada.

Mesmo assim, é mais fácil negar que o Brasil de 2023 tem um governo melhor do que o anterior, do que explicar quais foram os erros passados e como não cometê-los novamente. Infelizmente, isso nem está na pauta.

Não há estímulo para o senso crítico para sequer fazer uma autoavaliação dos erros do governo passado, e foram muitos, mesmo dentro de suas próprias lógicas e promessas.

Os problemas complexos da vida real só podem ter respostas tão ou mais complexas. Precisamos pensar com muito cuidado a cada passo de damos. Afinal de contas, estamos discutindo, propondo e projetando sobre as vidas das pessoas, e não temos o luxo de ignorar isso, deixamos essa parte da ignorância para os outros.

Por tudo isso, é muito difícil ser de esquerda no Brasil ou em qualquer lugar. Ser de esquerda num mundo tão opressor e com tantas amarras, físicas e mentais, é conseguir quebrar todos os dias as barreiras do senso comum tão bem elaboradas. É criticar, resistir, pensar e viver fora dessas amarras.

E tudo isso é muito cansativo. Na maioria dos dias só queremos viver tranquilos, sem pensar nos nossos problemas e nos problemas do mundo a fora. Por isso, esta frase é tão poderosa: “a ignorância é uma benção”, e ser de direita é muito mais fácil.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.