OPINIÃO

Geopolítica palestina na internet: mídia alternativa, censura e algoritmos pró-Israel

As Big Techs não estão alheias às visões alternativas sobre a questão palestina e os algoritmos são as novas armas do soft power geopolítico.

Palestina sob ataque de Israel em 2018.Créditos: Hosny Salah/Pixabay
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No Brasil, antes da popularização da internet, a chamada “mídia alternativa” (conjunto dos veículos de comunicação que se contrapõem à “mídia hegemônica”) tinha um alcance restrito. Em geral, eram jornais estudantis, informes sindicais ou rádios comunitárias que, via de regra, no máximo, atingiam milhares de pessoas. 

Assim, os grandes grupos de comunicação do país (Globo, Folha e Abril, entre outros) tinham a prerrogativa de definir a agenda pública nacional e, dependendo da temática (como geopolítica, por exemplo), eram as únicas fontes de informação da imensa maioria da população.

Não por acaso, ao longo dos anos, foi sedimentado no imaginário coletivo estereótipos e chavões, como “o muçulmano fanático terrorista”, “o americano salvador do planeta”, “o comunista que vai roubar propriedades alheias”, “o chinês mafioso”, “o europeu civilizado” e “o africano selvagem”.

Felizmente, esta realidade mudou com o advento da internet. Não que os grandes grupos de comunicação não sejam mais influentes. Longe disso. Porém, atualmente, com inúmeras visões alternativas presentes na rede mundial de computadores sobre as principais questões geopolíticas, é cada vez mais difícil para a mídia hegemônica emplacar sua versão dos fatos, como se fosse a própria realidade.

Vejamos, por exemplo, as recentes animosidades entre palestinos e israelenses (que, obviamente, estão inseridas em um contexto histórico bem mais amplo). Na grande imprensa, conforme é de costume, prevalece a narrativa que interessa às agendas geopolíticas das potências imperialistas. Ou seja, as sete décadas de genocídio palestino por parte de Israel são ocultadas e a ação de legítima defesa do Hamas contra o Estado Sionista foi vista como “ataque terrorista surpresa”.

Em outras épocas, tranquilamente, esta narrativa passaria para o grande público como a “versão oficial”, tal como ocorreu em outros acontecimentos, como o “11 de setembro”, midiaticamente rotulado como “maior atentado terrorista da história”.

No entanto, mal a imprensa noticiou o “ataque dos terroristas do Hamas à Israel”, já havia nas redes sociais quem denunciasse as manipulações midiáticas a favor do Estado Sionista.

Em sua página no Instagram, com quase duzentos mil seguidores, o socioambientalista Thiago Ávila fez uma interessante análise a respeito da cobertura do Fantástico de domingo (8/10) sobre o conflito Israel-Palestina. Conforme Ávila, o programa global dedicou quarenta minutos para esta temática; sendo que menos de quatro minutos levaram em conta a perspectiva do povo palestino; sessenta por cento da cobertura abordou o olhar de Israel e os outros trinta por cento restantes foram dedicados à perspectiva do governo dos Estados Unidos.

Ao usar o termo “territórios palestinos”, as apresentadoras do Fantástico Maju Coutinho e Poliana Abritta não reconheceram a Palestina enquanto “país” (logo, sem possibilidade de legítima defesa). Além disso, Israel foi tratada como “vítima” em guerras que o próprio Estado Sionista começou (como a “Guerra dos Seis Dias”). Os palestinos, em contrapartida, foram apresentados negativamente, como potenciais terroristas.

Outro nome bastante combativo nas redes é o jornalista e fundador do site Opera Mundi, Breno Altman. No X (antigo Twitter), ele tem cobrado de partidos e movimentos sociais uma jornada de solidariedade à Palestina e denunciado as ações dos “sionistas de esquerda” (que recorrem à falsa equivalência entre Hamas e Benjamin Netanyahu para manter uma suposta posição progressista). “Quando lerem ou assistirem o noticiário, lembrem-se: o sionismo é a maior máquina de fake news da história humana, deu às mentiras e às manipulações uma escala industrial”, escreveu o jornalista em uma de suas atualizações de status no X.

Abrangente um público mais amplo do que os perfis nas redes sociais citados acima, canais e sites progressistas – como Fórum, A Terra é Redonda, GGN e Brasil 247 – não apenas noticiam fatos importantes da geopolítica palestina ocultados na mídia tradicional – sobretudo as denúncias do uso de armas de destruição em massa por parte do exército israelense em Gaza e no Líbano –, como também apresentam análises críticas de especialistas da área de Relações Internacionais sobre a geopolítica palestina, que, via de regra, o não encontraremos na Rede Globo, CNN , Band News, Folha de São Paulo ou Revista Veja (onde o contraditório é previamente censurado). 

Por outro lado, as Big Techs não estão alheias às visões alternativas sobre a questão palestina. Cada vez mais, na internet, os conceitos de “liberdade de expressão” e “liberdade de informação” têm sido relativizados: parecem só valer a partir do momento em que não contradizem os interesses imperialistas.

Basta lembrar que, em fevereiro do ano passado, após o início da Guerra Rússia-Ucrânia, o YouTube suspendeu as operações dos canais digitais russos Russian Today e Sputnik News no continente europeu, alegando que estes veículos “espalham desinformação”.

Na mesma época, a Meta alterou a política de privacidade do Facebook e do Instagram para que fossem permitidas mensagens de ódio e violência contra soldados russos e liberados posts que pediam a morte de Vladimir Putin e do presidente de Belarus, Alexander Lukashenko. 

Já aqui no Brasil, páginas e canais que denunciam o genocídio palestino têm sido sistematicamente boicotados. Após abordar a questão palestina no Instagram, Thiago Ávila teve o alcance de seus vídeos limitado pela plataforma. Inclusive, muitos usuários relataram dificuldades em compartilhar os conteúdos publicados por Ávila. Já o canal Opera Mundi foi parcialmente desmonetizado pelo YouTube, em consequência de “denúncias a respeito da cobertura sobre a situação na Palestina”.

Além disso, uma simples pesquisa no Google, principal site de buscas do planeta, sobre os termos “Israel” e “Hamas”, nos mostram, na primeira página de resultados, basicamente notícias e vídeos da imprensa conservadora: G1, CNN Brasil, Folha de São Paulo, BBC News, InfoMoney, Reuters, Terra, Estado de Minas, Uol e Veja. “Coincidentemente”, algumas das matérias em questão têm títulos no estilo: “Guerra de Israel-Hamas: tudo o que você precisa saber para entender o conflito”.

Somente três sites com visões alternativas ao status quo aparecem na primeira página da busca no Google: Carta Capital (“O que é o Hamas, grupo palestino que enfrenta Israel e protagoniza ofensiva sem precedentes”), Brasil de Fato (“Israel declara guerra ao Hamas e ataques já mataram quase 200 palestinos”) e The Intercept (“O que pensam os palestinos sobre a resistência armada”).

É fato, os algoritmos são as novas armas do soft power geopolítico. Sendo assim, diante dessa realidade, cabe à esquerda se posicionar, denunciar qualquer tipo de censura e manipulação na internet e pleitear para que a população tenha amplo acesso à variedade de informações sobre o que realmente está acontecendo na Palestina, pois, no que depender da mídia tradicional e das Big Techs, ambas a serviço dos interesses imperialistas, a versão pró-Israel prevalecerá.