REFLEXÕES

Quero morrer na América do Sul – Por João Vicente Goulart

Pensei nos tantos heróis que nos ensinaram a amar a América nossa, como Galeano, Benedetti, Neruda, que deixaram um rastro de amor pela união dos povos latino-americanos

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Estava caminhando pelas ruas de Águas Claras, despretensioso, distraído e, de certa forma, olhando o céu carregado diante das nuvens mais escuras que iam transformando-se, carregando-se e adquirindo um tom violáceo, com a mente vaga, mas refletindo e pensando nos últimos acontecimentos que que estão brotando na política brasileira.

Esses eventos são tristes, desumanos e sórdidos, que herdamos de uma tragédia antevista, de uma proposta de ódio engendrada contra o povo brasileiro, da volta da opressão e da prepotência. Subitamente, me detive ao olhar, em um quiosque de lata, a frase que compõe este relato.

Detive-me imediatamente, parei observando a frase e me perguntava quem seria a pessoa que a teria escrito.

Seria um jovem estudante, um operário, um anistiado? Quem seria que, em um letreiro de propaganda comercial, em vermelho, tinha lavrado profundamente aquela minha interrogação e retirado das entranhas de meu passado as grandes lembranças do exílio, do golpe de 1964, da “Operação Condor”, dos camaradas mortos em combate contra a ditadura, das passeatas de estudante, das prisões e dos desaparecimentos de pessoas sob a tutela do Estado, do longo caminho de 21 anos para o restabelecimento democrático, da Anistia, dos que voltaram e dos que não voltaram, tombados pela luta democrática? Quem seria, quem era aquele autor de parede que levantava em mim tantas memórias, quem seria?

Tentei serenar-me e dizer a mim mesmo que as nuvens carregadas, logo, muito logo, desapareceriam.

Lembrei-me que, mais cedo, tinha ouvido o discurso do presidente Lula na Argentina, pregando novamente a união dos povos da América do Sul e Caribe, um sonho antigo que, até hoje, é atual daqueles que querem unir nossos povos em uma só América do Sul, na Pátria Grande. Então, me tranquilizei e a esperança voltou. Ela sempre volta, quando estamos do lado certo da luta democrática.

Continuei meu caminhar pensativo nos tantos anos, e nos tantos heróis que nos ensinaram a amar a América nossa, como Eduardo Galeano, Mario Benedetti, Pablo Neruda, que deixaram um rastro de amor pela união dos povos latino-americanos.

A medida que me distanciava do quiosque de lata, agradecia aquele redator anônimo de muros, que tantas memórias me trouxe à mente, dos anos passados e dos anos atuais, de uma renovada esperança.

Talvez nunca descubra sua identidade para agradecer-lhe os momentos de reflexão que me trouxe. Mas ela é igual à minha e, sem dúvida, posso dizer a ele que também “QUERO MORRER NA AMÉRICA DO SUL”.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.