Quando Bolsonaro diz que “podemos viver sem oxigênio, mas jamais sem liberdade”, ele está revelando quanto é asqueroso o liberalismo. Por mais que os comentaristas de economia da Globo e de outros canais subservientes aos interesses empresariais tentem dizer que as palavras de Bolsonaro são risíveis, absurdas e polêmicas, tais afirmações sobre a liberdade estão ancoradas na ideologia neoliberal idealizada pela Escola de Chicago.
Hayek, o maior estandarte desta escola, defende que “a liberdade econômica constitui o requisito prévio de qualquer outra liberdade”.[1] Diz que qualquer coisa de ruim que aconteça seria pior se a causa fosse alguém ou um grupo. Se a miséria, o desemprego etc forem causados por forças impessoais (leia-se mercado), não há problema, pois tudo vale em nome da liberdade.
Diz o austríaco, “o desemprego ou a perda de rendimentos que nunca deixarão de atingir a alguns em qualquer sociedade são, por certo, menos degradantes quando causados por infortúnio do que quando deliberadamente impostos pela autoridade".[2]
Em 7 de dezembro de 2021, o presidente Jair Bolsonaro reuniu-se com a CNI. Na ocasião, não citou o saldo negativo de empregos registrados pelo Caged, nem os mais de 13 milhões de desempregados apontados pelo IBGE, mas disse que “é duro ser patrão no Brasil". Essa visão é muito hayekiana.
Em “O caminho da servidão”, publicado em 1944, o economista liberal, diz que ser pobre e mal pago em um país livre é melhor do que ser empresário em um país de intervenção estatal. A comparação entre ser pobre e ser empresário é ridícula… “um trabalhador não especializado e mal pago tem, na Inglaterra, mais liberdade de escolher o rumo da sua vida do que muitos pequenos empresários na Alemanha…”.[3]
A liberdade está acima de tudo. No período em que Hayek escreve o seu texto, o mundo passava pela experiência nazista e pela vitória soviética sobre o nazismo. Mas o autor também está criticando o “New Deal”, e outras formas de intervenção estatal que, segundo Hayek, são o preâmbulo do regime nazista.
Hayek acredita que se um milionário exerce poder sobre nós há liberdade, mas se o Estado fizer o mesmo é arbitrariedade. Destaca por meio de uma pergunta retórica: “o poder exercido sobre mim por um multimilionário, que pode ser meu vizinho e talvez meu patrão, é muito menor que o do mais insignificante funcionário que exerce o poder coercitivo do Estado".[4]
Todas as experiências desagradáveis seriam pior, de acordo com Hayek, se fossem exercidas pelo governo. “Por mais amargas que tal experiência seja, seria muito pior numa sociedade planificada".[5]
A economia planificada, que tanto a grande imprensa quanto o governo Bolsonaro detestam, pode ter como objetivo a distribuição justa da riqueza. Porém, o projeto liberal é contrário a impor um objetivo à economia. O Estado deveria apenas “fixar normas determinando as condições em que podem ser usados os recursos disponíveis, deixando aos indivíduos a decisão relativa aos fins para os quais eles serão aplicados".[6]
Ou seja, o mercado está lá, o indivíduo pode investir, comprando ações e usar o lucro no que bem entende - criar fortuna, fundar uma instituição de caridade etc. Não deve haver um programa econômico guiado pelo Estado. Não deve haver um programa para acabar com a miséria, desenvolver a tecnologia etc. Não! A função do Estado é manter a economia estável, controlando inflação, juros etc.
Isso é liberdade para Hayek, Bolsonaro e para a Rede Globo. É a liberdade de usar o mercado para fins individuais. Em hipótese alguma para o bem comum. Para eles, um projeto econômico com o objetivo de acabar com a fome é um absurdo. Esse foi o motivo do ódio contra o PT. É nesse ponto que as forças da burguesia se uniram para promover o golpe para tirar Dilma Rousseff e prender Lula.
É o que defende, em seu tempo, Hayek. Diz que os socialistas “não defendem a planificação por sua produtividade superior, mas porque nos permitirá realizar uma distribuição da riqueza mais justa e equitativa". Isso seria um absurdo já que o preço a se pagar “seria um descontentamento e uma opressão maiores do que jamais causado pelo livre jogo das forças econômicas”.[7]
Sendo assim, a base de toda liberdade é a liberdade econômica. Hayek não acredita que a democracia por si só seja capaz de impedir a arbitrariedade. Deste modo, o poder não precisa vir do povo, necessariamente, para não ser arbitrário: “não é a fonte do poder, mas a limitação do poder, que impede que este seja arbitrário. O controle democrático pode impedir que o poder se torne arbitrário, mas a sua mera existência não assegura".[8]
O problema para Hayek não é a ditadura em termos culturais. Segundo ele, “muitas vezes houve mais liberdade cultural e espiritual sob regimes autocráticos do que em certas democracias – e é concebível que, sob o governo de uma maioria muito homogênea e ortodoxa, o regime democrático possa ser tão opressor quanto a pior das ditaduras. Não queremos dizer, contudo, que a ditadura leva inevitavelmente à abolição da liberdade, e sim que a planificação conduz à ditadura porque esta é o instrumento mais eficaz de coerção e de imposição de ideais, sendo, pois, essencial para que o planejamento em larga escala se torne possível”.[9]
Sendo assim, o problema é tudo que interfere na libedade econômica. Uma ditadura não seria um problema, pois o que impede a liberdade de florir é intervir na economia, evitando com que as pessoas usem o sistema para atender seus caprichos.
Por isso, Hayek e Friedman foram grandes entusiastas da ditadura de Pinochet. E não é por acaso que Bolsonaro elogia a ditadura militar com uma ressalva crítica de que o governo dos militares foi “estatizante" demais.
As palavras de Bolsonaro não são meros delírios de uma mente alucinada. Seus fundamentos se encontram no modelo econômico defendido pela grande imprensa. É algo escabroso, egoísta, desumano, frio etc, mas é exatamente assim que funciona o sistema liberal.
É lógico que a grande imprensa tem especialistas para que tal ideologia ignóbil seja polida. Não venha à tona sendo engodos. Miriam Leitão, Sardenberg e outros não vão dizer ao pé da letra o que defendem. Levantariam uma questão sobre ética a qual eles não querem adentrar. Contudo, enquanto a discussão fica na superfície (moralidade, legalidade etc), o que se defende é a degradação humana em nome da liberdade econômica.
[1] HAYEK, F. A. O caminho da servidão. São Paulo: Instituto von Mises Brasil, 2010, p. 111.
[2] Id., p. 117.
[3] Id., p. 114.
[4] Id., p. 115.
[5] Id., p. 117.
[6] Id., p. 90.
[7] Id., p. 109.
[8] Id., p. 86-87.
[9] Id., p. 85
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.