Geovanna Ewbank fez o que deve fazer toda a mãe, proteger seus filhos. Famosa e loira de olhos azuis, se tornou heroína. Seria incrível se as redes celebrassem as milhares de mães negras que lutam cotidianamente para manter vivos seus filhos do genocídio da infância e juventude negra.
Presto toda minha solidariedade a Chissomo (Títi) e Bless, filhos da Giovanna Ewbank e do Bruno Gagliasso, e à família angolana agredida pela racista em Portugal.
Infelizmente, os racistas de lá são como os de cá: agressivos, inconvenientes, xenofóbicos e criminosos que não poupam nem as crianças!
Em 2010, viajamos a trabalho para Lisboa para entrevistar a comunidade artística de cabo-verdianos ali sediados. Já no aeroporto senti que seriam dias difíceis. Nossa produtora negra e jovem foi barrada. Detalhe, o jornalista Luiz Carlos Azenha e o cinegrafista Padu, branco de olhos claros, passaram sem qualquer incômodo.
Penso que se Erica tivesse sozinha talvez nem conseguisse entrar em Portugal. Sua bagagem de mão foi inclusive revirada. Andando por Lisboa, vi várias vezes o incômodo que os portugueses sentiam e provocavam em Érica. Quando ela pedia alguma informação sempre tinha dificuldades, as pessoas não eram receptivas. Lisboa foi uma cidade pouco amigável para nossa produtora, uma mulher jovem e negra.
No continente africano estivemos em alguns países ex-colônias do império português, como o Brasil. As marcas deste colonialismo ainda estão muito presentes, pois nestes países as lutas de independência foram bem recentes.
Em Moçambique, Guiné Bissau, Cabo Verde, quando as pessoas nos viam falando português, inicialmente nos confundiam com portugueses e não eram nada receptivas. Ao descobrirem que éramos brasileiros o tratamento melhorava. O colonialismo português no Brasil e África foi brutal. Um rastro de destruição. Moçambique em 2009 e 2010 não tinha 4% de residências com vaso sanitário. Na maioria dos países africanos ex-colônias portuguesas cerca de 40% ou menos eram alfabetizados. O império português não deixou sequer a língua portuguesa como legado.
Sim, há muito racismo em Portugal, de onde vocês acham que o racismo made in Brasil foi inspirado?
Dito isso, Giovanna e Bruno fizeram o que pais decentes têm de fazer: proteger os seus filhos.
No Brasil, mães negras ao fazerem isso, não têm o mesmo sucesso. Seus filhos são assassinados pela polícia voltando da escola ou brincando no quintal de casa. Nenhuma mãe negra dorme quando seus filhos viram adolescentes e começam a andar sozinhos. Adolescentes negros no Brasil não podem, sob risco de serem mortos pela polícia, andar com capuz, deixarem crescer seus cabelos, se divertirem com os amigos, voltar do trabalho ou da faculdade sem serem importunados e não raramente assassinados.
As mães brancas com filhos negros podem falar de igual para igual com racistas sem correrem o risco de serem espancadas e presas. Sou filha de mãe branca e já vi minha mãe botando dedo na cara de policial racista, enfrentando delegados, denunciando maus policiais à corregedoria.
Minha mãe sempre perdeu a linha na defesa de meus irmãos, vítimas de racismo. Ela nunca foi agredida fisicamente por um policial racista. Eles sempre ficaram desconcertados com ela, como deve ter ficado a racista portuguesa com a reação de Giovanna.
Esses dias, o irmão bolsonarista de Bruno Gagliasso foi condenado por difamar nas redes uma mãe negra, que teve seu filho assassinado. O irmão bolsonarista de Bruno é candidato pelo PL e espalhou uma foto de uma mulher com fuzil atribuindo-a uma mãe em luto, justificando o assassinato de seu filho e associando-a a traficantes. A mãe em luto ganhou na Justiça e vai usar o dinheiro do irmão de Bruno para distribuir quentinhas na favela num país que tem hoje 33 milhões de famintos (a maioria de famílias negras) e quase 70% da população vivendo em insegurança alimentar.
Bruno sabe bem o horror de conviver em seu próprio núcleo familiar com um racista, bolsonarista. Bruno pode se defender dele, as mães negras, atacadas pelo irmão, nem sempre conseguem sequer manter vivos os seus filhos vítimas do racismo estrutural e institucionalizado.