No último período eu me vi imaginando como seria a experiência de fazer parte de um Congresso que terá a missão de reconstruir o Brasil, destruído pelo governo Bolsonaro. Uma missão instigante, pois, se eleita, faria parte de uma bancada federal com Tarcísio, Talíria, Boulos, Sônia Guajajara, Erika Hilton e tantas e tantos outros. Nosso futuro presidente Lula, a quem dedicarei meu suor e coração para que lá esteja, terá desafios gigantescos.
Mas, neste longo pensar, concluo que reconstruir o Brasil será uma missão complexa e múltipla. E não haverá outro caminho que não seja o de arregaçar as mangas e trabalhar. Naquilo que me cabe não faltará disposição. Como gosto de dizer, todos os nossos sonhos são tarefas.
Com estas reflexões, cheguei à conclusão de que existem lugares de luta que estão desguarnecidos e que precisam ser reforçados. A disputa institucional e a própria institucionalidade são campos importantes da luta política e precisam ser ocupados, em especial por mulheres, negras e negros, LGBTQIA+, indígenas e todas as ditas “minorias”. Representatividade importa, sim e muito!
Mas a ampliação do espaço na política institucional para mulheres, negras e negros, LGBTQIA+ só será possível se nos colocarmos ao encontro de cada um desses grupos. É preciso investir esforços, partilhar experiências, criar sinergia e empatia com estes setores. É com os pés no chão que vamos ganhar impulsos de liberdade e transformar nossos sonhos e anseios em lutas e vitórias. Não é apenas repetir o chavão “precisamos ter trabalho de base”: precisamos entender, enquanto militantes de esquerda, que precisamos ser a base, tanto quanto ser a vanguarda. É nesta relação dialética que iremos construir os alicerces de nossos sonhos de uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna.
Não estou categorizando como errada a estratégia da ocupação do espaço institucional, eu mesma estou vereadora. Apenas quero dedicar meu mandato e minha força militante em outras trincheiras, é onde me vejo contribuindo melhor. E, dentre todas as tarefas colocadas, quero trabalhar com as mulheres, e pelas mulheres. Voltarei neste tema mais à frente.
Sobre as eleições de 2022
Não há dúvidas de que esta eleição será a mais importante de nossa imatura e frágil democracia. Também será a mais permeada por violências físicas, simbólicas e morais, não há como crer que será diferente, nossos inimigos bolsonaristas têm flertes profundos com o fascismo.
E são estes elementos que me movem na direção de uma atuação nas eleições fora da corrida por uma cadeira no legislativo estadual ou federal. Esta decisão se baseia numa análise que navega em algumas variáveis de cenário, que se apresentarão de forma mais nítida, a partir de outubro: 1) Lula é eleito sem contestação pelos bolsonaristas; 2) Lula é eleito, mas há forte contestação bolsonarista e sua posse está incerta e 3) Bolsonaro é reeleito. Não descarto outras possibilidades, mas são sobre essas que oriento minhas reflexões.
O cenário (1) não deve nos iludir. Mesmo que o bolsonarismo seja derrotado nas urnas e aceite a derrota dentro das regras do jogo, seu ímpeto de ódio ganhará novos ares, e as ameaças à democracia e à militância política continuarão na ordem do dia. Derrotá-los politicamente na sociedade será nossa grande tarefa, e, para tal, a luta coletiva nas ruas, becos e vielas será indispensável. Organizá-la e prepará-la são tarefas que estou me colocando para ajudar. Sem esquecer que um possível governo Lula não pode nos colocar em displicência: as tarefas de construção de um programa de transformação da realidade brasileira continuarão em aberto. Um futuro governo Lula será uma vitória imensa e um meio para a construção do futuro. Mas só o povo mobilizado e organizado pode garanti-lo, com estabilidade e força para implementar as mudanças estruturais que nosso país almeja.
O cenário (2) talvez seja o que habita mais nossas reflexões, é sombrio. Mas é plausível, e defender o resultado das eleições será o desafio de todos nós, e com múltiplas tarefas. Mobilizações de massa, denúncias internacionais, resistência nas Casas Legislativas do país, serão algumas das demonstrações de força e resistência. Mas a única coisa capaz de garantir que Lula tome posse neste cenário é o povo organizado e em luta em cada canto deste país, se entendendo como sujeito histórico de seu tempo. E é nesta tarefa que quero me somar.
No cenário (3), o caldo entornou de vez, e nossos piores pesadelos tomarão contorno de realidade. Não nos sobrará outra alternativa que não seja nos preparar para a luta, ou o massacre de direitos e vidas será inevitável. Atuar nas Casas Legislativas, no Executivo e em demais instituições será um papel importante. Organizar denúncias internacionais será tarefa semanal. Mas só a construção de ferramentas políticas com o povo poderá nos posicionar no debate com a sociedade novamente. Só assim iremos voltar a disputar um programa de transformação na sociedade. E é para esta tarefa que estou me colocando a serviço.
O PSOL e as eleições de 2022
O PSOL teve a maturidade e grandeza política para entender o delicado momento do Brasil. E, de forma corajosa, entendeu que o nome de Lula é o que reúne as melhores condições para dar um freio de arrumação na balbúrdia bolsonarista.
Aqui no Rio de Janeiro, o PSOL também entendeu que derrotar a política genocida de Cláudio Castro, e ainda de tabela derrubar o bolsonarismo no seu berço político, é a tarefa principal. E o nome que está preparado para esta tarefa é o de Marcelo Freixo.
Estas decisões deixam algumas dúvidas sobre nossa tática eleitoral: queremos e precisamos eleger fortes bancadas na Câmara Federal e na Alerj, e pela primeira vez não teremos candidatos majoritários. É uma dúvida real e fundamentada. Mas quando olhamos para a nossa trajetória, não podemos ter dúvida, o PSOL é o partido de esquerda com mais enraizamento social no Rio de Janeiro. As lutas contemporâneas, os quadros de renovação política e as novas formas do fazer político fazem morada no PSOL. Vamos sair ainda maiores e mais enraizados deste processo. E no que depender do meu empenho militante, não tenham dúvida, com um especial olhar para as candidaturas de mulheres e LGBTs.
O futuro é feminista. Vamos lá?
Na trajetória em que fui lançada, após o feminicídio político de minha companheira Marielle Franco, encontrei na vivência e na sobrevivência feminista força para me manter de pé. Espalhado nos quatro cantos do mundo o feminismo acolheu e multiplicou minha voz e, unissonamente, perguntamos: quem mandou matar Marielle e por quê? Aprendi na prática o significado de uma política voltada para os 99% da população mundial. Entendi, assim, que o feminismo é o futuro.
Mas a sociedade parece não querer um futuro - as elites mundiais econômicas, militares e o invisível mercado formam uma tríade, que com sua força nos empurra de volta à Idade Média. Os retrocessos são sentidos, com ainda mais severidade, sobre a vida das mulheres, sobretudo das mulheres negras. Os efeitos da pandemia em suas vidas foram devastadores: o aumento da desigual responsabilidade do trabalho de cuidado; aumento da violência doméstica, da informalidade, do desemprego, são apenas alguns exemplos. O retrocesso que está em pauta na Suprema Corte dos EUA, que ameaça a política de aborto legal e seguro, é um outro elemento importante para ser analisado.
No Brasil, a realidade pode ser considerada ainda mais grave, já que temos na presidência da República um misógino declarado. Todo o seu governo é marcado pelo ódio às mulheres, ao ponto da então ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, tentar impedir que uma criança de 10 anos interrompesse uma gravidez oriunda de estupros cometidos pelo tio. É da nossa Latinoamérica que surgem os bons ventos. A recente aprovação do direito ao aborto na Argentina e a discussão aberta no novo governo do Chile são os ares do futuro.
Para frear esse rolo compressor que ruma contra a vida das mulheres é essencial que tenhamos mais mulheres na política. E meu lugar de mulher na política é o de quem está fazendo política com as mulheres, para que mais mulheres façam política. Só assim iremos romper as barreiras impostas na institucionalidade. É desta forma que vamos construir um futuro para os 99% da população, um projeto de poder para o povo e com o povo.
Já disse muitas vezes que o feminismo me salvou de todas as formas que uma pessoa pode ser salva. Quando pensei que tinham arrancado tudo de mim, foi a acolhida das mulheres que me colocou de pé, que me fez ressurgir e me deu um novo sentido para seguir. E é nesse ressurgimento que quero construir e possibilitar o ressurgir de minhas companheiras. Quero retribuir e possibilitar que o mundo experimente esta forma de se relacionar, de sentir, de amar, de viver e sonhar. Conectar as diversas experiências feministas pelo mundo, e encontrar outras mais, nas populações indígenas e ribeirinhas, nas ocupações urbanas e nas lutas pela reforma agrária, na luta das mulheres negras, nas lutas das favelas e periferias deste país. É mais que uma tarefa ou uma necessidade, é um desejo. Mas é também um convite: vamos?
PS: Em breve vamos trocar melhor sobre esse convite. Salve essa data, 20 de junho, às 18h30 - Plenária da Mandata - o futuro é feminista. A gente se encontra na luta.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.