JOGO SUJO

Falsa barreira para os ministros indicados por Bolsonaro no STF – Por Fernando Augusto Fernandes

Globo e UOL desinformam leitores e Bolsonaro se aproveita para difundir levianamente mentiras contra Lula

Nunes Marques e André Mendonça.Créditos: Edição de imagens
Escrito en OPINIÃO el

A imprensa noticiou que o Supremo teria mudado regra e limitado votos de ministros de Bolsonaro (https://valor.globo.com/google/amp/politica/noticia/2022/06/09/stf-muda-regra-e-limita-votos-dos-ministros-indicados-por-bolsonaro.ghtml) ou criado barreira para os ministros indicados pelo presidente (https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/06/09/stf-mantem-voto-de-ex-ministros-e-cria-barreiras-a-indicados-de-bolsonaro.amp.htm). As manchetes acima não são verdadeiras e é preciso esclarecer o tema, porque da forma colocada incentiva o atrito entre o judiciário e a sociedade, principalmente a parte bolsonarista.

Já há vídeos circulando nas redes sociais e WhatsApp confundindo a população sobre o tema em questão.

A questão principal é o princípio do juiz natural, que está no artigo 5º da Constituição Federal assim redigido "XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção"; "LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente". Existem normas internacionais que também garantem o princípio, como o artigo 8.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos – da qual o Brasil é signatário –, pela qual todo indivíduo tem o direito de ser ouvido por um "juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei".

Para que seja mantida a imparcialidade do magistrado uma das questões mais importantes é que ele seja definido antes do fato ocorrer, para que não seja escolhido para julgar determinado caso.

As regras definem como um juiz pode julgar um caso. Esse regimento que primeiramente está na Constituição define a competência por matérias. Assim existe casos que por evolverem questões militares serão julgados pela Justiça Militar (art. 124, da CF), ou por haver interesse ou envolvimento do Governo Federal serão julgados pela justiça federal (art. 109, da CF). A Constituição também atribui a competência dos tribunais superiores e do supremo ao estabelecer quando atuam, conforme artigos 102 e 105, da CF.

Nas cortes, tribunais, em que vários juízes votam para a solução de um caso, existem várias regras para que não haja intervenção, escolhas ou mudanças de juízes. Essas regras estão desde os códigos de processo civil e penal, até nos regimentos internos. Uma maneira de manter a isenção e a garantia para todos serem julgados por uma Justiça imparcial.

Processos distribuídos por sorteio

Os regimentos dividem tribunais em turmas de julgamentos de acordo com o tema a serem julgados, como os processos são distribuídos a um dos julgadores por sorteio. Após a escolha, um processo sempre será encaminhado ao mesmo julgador para não haver divergências de decisões, o que chama prevenção.

Quando um julgamento é marcado e levado pelo relator é distribuído um processo, esses juízes não podem mudar para que o julgamento termine sem que se escolha um julgador diferente.

Esse é o ponto que enfrentou o Supremo Tribunal. Quando um julgamento se iniciou pelo meio virtual e por pedido de destaque esse foi encaminhado ao presencial o que ocorre, por exemplo, se um ministro se aposentar nesse meio tempo.

O questionamento decorre do fato de que aqueles ministros que continuam do tribunal podem mudar seu próprio voto, caso se convençam de novas razões sejam de outros julgadores, seja pelos advogados ou Ministério Público. No entanto, se o ministro que compunha a cadeira mudar, o novo ministro não pode reformar o voto já proferido.

As “liberdades” adotadas durante o julgamento da AP 470

Tal regra não tem nenhuma relação com o fato de terem sido nomeados pelo presidente Jair Bolsonaro, basta qualquer pessoa verificar que quando do julgamento do habeas corpus n. 164.493, que apreciou a suspeição do ex-juiz Sergio Moro, encontrava-se em vista do Ministro Gilmar Mendes, no momento que o ministro Kassio Nunes Marques assumiu a cadeira deixada por Celso de Mello.

O correto de maneira ortodoxa era o julgamento terminar somente com os julgadores que estavam no início, não podendo o novo ministro votar. Isso porque foram aqueles que ouviram todas as sustentações. No entanto, a partir do julgamento da Ação Penal 470, mais conhecido como Mensalão, os ministros assumiram uma equivocada liberdade de votação. Verifique-se que o Min. Celso de Mello não havia votado, porque se tivesse votado contra ou a favor da concessão da ordem, o ministro Nunes Marques não poderia votar.

Por exemplo, se o novo ministro votasse contra a suspeição, então o julgamento terminaria com a negativa pelos votos de Fachin, Carmem Lucia contra Gilmar e Ricardo Lewandowski. No entanto, a ministra Carmem Lucia mudou seu voto e a ordem foi concedida declarando Moro suspeito e anulando-se o processo. Proferido o voto, portanto somente o próprio ministro pode alterá-lo até o término do julgamento.

Todas essas regras visam que não seja possível escolher uma mudança de juízes para alterar o resultado de um julgamento em andamento. A regra não é nova, nem foi mudada.

O Globo e UOL confundem os leitores e reforçam a desinformação contra Lula

Nada tem em relação a Bolsonaro. O mesmo ocorrerá se qualquer presidente eleito, caso Lula vença o próximo pleito poderá indicar um ministro que assuma um julgamento em andamento, apenas isso. Nenhum presidente tem poder para mudar ou escolher um magistrado para participar de um julgamento qualquer, seja na primeira instância ou no STF.

Por outro lado, de uma maneira leviana, Bolsonaro induz que o processo contra o presidente Lula foi anulado devido ao erro de CEP. De uma forma simplista, o presidente induz a sociedade que Lula foi absolvido apenas porque o caso foi julgado no lugar errado. Voltemos ao Direito e à Constituição Federal, o caso foi anulado em razão do princípio do juiz natural, por duas questões essenciais: porque o juiz Sergio Moro foi considerado suspeito pelo STF, inclusive entre os atos de suspeição estão a interferência na campanha eleitoral de 2018, com a divulgação da delação do ex-ministro Antonio Palocci na véspera do pleito, além do agravante encontro com o atual ministro da economia Paulo Guedes, que na ocasião lhe ofereceu o cargo de ministro da justiça, proposta aceita por Moro e que indica sua motivação a deixar a magistratura. Tudo isso somado às revelações ocorridas pela Vaza Jato que exibiu as mensagens para todo o país de uma promiscuidade do juiz com os membros do Ministério Público, além de uma imparcialidade nunca vista neste país com o caso. Portanto, Bolsonaro faz um desfavor para a democracia brasileira ao se pronunciar sobre o caso.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.