A Polícia Rodoviária Federal é uma força de segurança pública da União formada por pouco mais de 10 mil homens e mulheres. Naturalmente, quando falamos de um órgão ou entidade formado por milhares de pessoas, precisamos ter a noção de que cada indivíduo é único e guarda consigo particularidades e idiossincrasia. No entanto, quando parte de um grupo se mete numa aventura que macula todo o grupo, as reações naturalmente serão contra o coletivo.
Tenho mais de 23 mil quilômetros de estradas no sertão nordestino, tirando aí alguns outros milhares por rodovias do Sudeste. Em cima de uma moto, por mais de 10 anos, cruzei alguns dos rincões mais afastados do Brasil, assim como capitais e regiões desenvolvidas.
Nessa longa jornada, perdi as contas de quantas vezes mantive contato com agentes da PRF. Uma coisa, para mim, é muito clara: o órgão foi cooptado e tornou-se um braço desse fenômeno nojento que é o bolsonarismo. Boa parte de seus integrantes entrou de cabeça nessa insanidade e os seus traços e deformidades mais autoritários emanaram.
Os integrantes da PRF não deixam de ser policiais, e até por isso mantêm alguns cacoetes mais clássicos da profissão, mas sempre foram bem despolitizados, sem "viés ideológico", menos truculentos e de perfil mais "judiciário", não no sentido literal do vocábulo, mas na forma como trabalhavam, ao citar leis, apontar infrações e autuar motoristas imprudentes, assim como por realizar uma atividade pujante de inteligência na interceptação de cargas de entorpecentes e armas nas rodovias federais.
No fim de 2018, no extremo oeste de Pernambuco, quase na divisa com o Piauí, parei no acostamento para fotografar uma cabra negra que pastava sozinha na imensidão do seminário, com um céu lindo. Menos de dois quilômetros à frente fui parado na BR, metros antes do posto da PRF.
Três agentes, fuzis beges de última geração na mão e uniforme camuflado de deserto, apenas com o característico colete azul com a sigla do grupo nas costas. Abordagem dura e dentro dos protocolos, técnica e com perguntas pertinentes, com certa distância. "Parou lá na frente antes do posto por quê?", "Sabe que essa região é muito utilizada como rota do narcotráfico?", enfim, nada demais.
Depois de revistado e enquanto um dos policiais checava meus documentos, o agente que comandava a guarnição conversou de forma civilizada comigo. Era um sujeito galego, do Recife, com um português impecável e tranquilo. Disse que também amava fotografia, mostrou algumas que carregava na nuvem, pelo celular. Mostrei algumas minhas. Pouco entramos em política, apenas o mais trivial sobre a região e ele deu traços de que era alguém progressista, dando ainda algumas declarações surpreendentes sobre a tragédia da miséria e como ela afeta os índices de criminalidade, dizendo que muita gente flagrada ali com drogas era gente desesperada e que não tinha noção do que era a cadeia, o que segundo ele era lamentável.
Ao ver as imagens dos agentes da PRF na chacina da Vila Cruzeiro, no Rio, e no dantesco e terrífico assassinato de um homem por inalação de gás lacrimogêneo no sertão de Sergipe, fica inequívoca a impressão de que esses profissionais, ou melhor, boa parte deles, entraram numa trama política de Jair Bolsonaro para servir como uma espécie de guarda pretoriana sua, em busca de dividendos eleitorais para o radical de extrema-direita.
A sensação que dá é que as coisas sairão totalmente do controle se nada for feito para pôr freio nesse descompensado, que esgarçará ainda mais os limites civilizacionais de nossa frágil democracia, destruindo por completo a estrutura do Estado, seja para se reeleger ou para deixar uma nação barbarizada na sua saída.