Vivemos mais um 31 de março desde aquele distante 1964. Muitos foram no sufoco do silêncio e da mordaça, outros de expectativa e esperança e tantos mais de alívio e memória. Até que a nau da História nos levou ao mangue da indigência civilizacional, trazendo de volta a ameaça do silêncio, a iminência da mordaça e uma vez mais o medo de nos tornarmos mortos em plena vida.
Dirijo-me hoje aos que perderam a vida, a paz, a sanidade mental e a saúde física nos porões sujos da página mais sinistra de toda nossa existência como nação. 31 de março seguirá sendo sempre o aniversário do triunfo do mal e da força sobre o direito à vida e à liberdade.
A celebração da morte, da ignorância, da violência, do sofrimento, do grotesco e de toda essa miríade de insanidades não pode ser a alma de um povo que pretende instituir uma trilha a seguir em direção ao futuro. Nego-me, expressamente, assim como milhões de compatriotas, a aceitar a loucura e o sangue como amuletos sagrados do governo de meu país.
Paráfrases, especialmente aquelas criadas por visionários e notáveis seres humanos, sempre me serviram. Sobre politizar todas as questões e pôr a História como espelho frente a tudo, repito o que disse um velho de esquerda que espargiu razão em suas páginas pelo planeta afora e que atravessou a mais longeva ditadura do Ocidente no século XX, o português José de Sousa Saramago.
"Eu tenho, como cidadão, um compromisso com o meu tempo, com o meu país e com as circunstâncias do mundo."
Esse foi o compromisso de homens e mulheres que gritaram até morte, sangrando por gotas ou aos jorros, nos calabouços escuros de um Estado que, em vez de protegê-los e garantir-lhes voz e direito à pluralidade, os seviciou tal como fazem os terroristas.
A essa geração surrada, sangrada, sepultada, e por vezes insepulta, amputada de seus sonhos, digo-lhes, e sem ser porta-voz de coisa alguma, que seus filhos e netos permanecerão insistentemente denunciando toda forma de violência, covardia, injustiça e morbidez dos assassinos pretéritos e dos que se jactam por serem seus herdeiros naturais, celebrando monstros publicamente em suas "ordens do dia" e nos plenários e palácios do Brasil.
31 de março seguirá sendo o dia dos canalhas, por mais que a autoestima inflada pela incivilidade armada ria disso e bata palmas em júbilo à morte de pessoas e à destruição da democracia brasileira.
O desafio de nossa geração, como uma dívida de honra com aqueles que foram tombados antes de virmos ao mundo, será grande, especialmente neste histórico ano de 2022. Dele sairá uma esperança ou o triunfo absoluto da covardia tirânica.
O 31 de março é o dia da vergonha e o dia da mentira.
Juntos somos mais fortes e juntos formamos o Brasil. Sejamos brasileiros e façamos dessa condição um alento para que nunca mais as mãos assassinas se apossem de homens e mulheres que apenas anseiam por serem livres.