Este texto é a segunda parte da trilogia "Direitos Humanos para todos", escrita por Eunice Prudente e Ana Beatriz Prudente Alckmin. A primeira parte do artigo foi publicada pela Revista Fórum no dia 23 de fevereiro de 2022. A terceira e última parte será disponibilizada em breve.
Para ler a primeira parte na íntegra, acesse o link: http://bit.ly/direitos-para-todos
Destacamos os artigos constitucionais, em defesa dos cidadãos, acentuando que na Constituição foi instituído que um dos pilares da República Federativa do Brasil é a dignidade da pessoa humana.
Esta tríade de textos aborda o tema dos direitos fundamentais. Nas duas primeiras partes, destaca-se especialmente o direito à saúde, em uma perspectiva constitucional, ao mesmo tempo que traz reflexões importante.
Falando sobre os desafios regionais da saúde, podemos trazer a fala de Mauro Ribeiro, que, enquanto presidente do Conselho Federal de Medicina, disse: "Temos médicos em números suficientes para atender a população inteira, o problema está na distribuição." Essa fala é importante por dois motivos:
O entendimento que temos médicos o suficiente para garantirmos o atendimento de qualidade para toda a população nos traz certo alívio, principalmente por entendermos que há possibilidades de cumprir os direitos sociais garantidos via Constituição;
Ao mesmo tempo que entendemos também que os governos não estão cumprindo as exigências constitucionais, ao garantir que essa distribuição seja feita de maneira eficiente. Essa discussão também é importante, pois podemos traçar um paralelo entre essa distribuição e as possibilidades regionais que são restritas para alguns tipos de profissão. O questionamento é: precisamos redistribuir médicos ou precisamos dar a oportunidade das comunidades locais estudarem medicina?
Neste retrospecto, Sudeste e Sul estão mais desenvolvidos e possuem muitos médicos disponíveis. Este padrão não se repete nas outras regiões do país, se agravando muito em alguns lugares da região Norte do país. Todos os estados desta região têm níveis de distribuição de médicos abaixo do nível da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Também é importante reiterar que estes estados também sofrem com endemias localizadas no tempo e espaço, além da pandemia. Doenças como malária, dengue, zika vírus, entre outras doenças tropicais podem ser identificadas como alertas vermelhos em várias partes do Norte do país. Um ponto que se deve observar neste ponto também é como a irresponsabilidade de algumas notícias falsas agravam ainda mais os problemas congênitos da região. Com o espalhamento da notícia de que a cloroquina seria um medicamento eficiente para o tratamento de coronavírus, o que foi desmentido em diversos momentos pelas associações de saúde nacionais e mundiais, o abastecimento deste medicamento para tratar pessoas com malária na região Norte – em sua maioria indígenas e ribeirinhos – foi extremamente impactado e resultou na dificuldade de tratamento de diversas pessoas com a doença.
Ainda falando sobre as dificuldades de distribuição de médicos e do acesso dificultado ao curso de medicina, que é extremamente elitizado, podemos trazer um outro ator que impede o Brasil de avançar a passos largos em direção ao desenvolvimento: o racismo estrutural.
Acomodamo-nos na posição secundária e humilhante dos negros brasileiros. Nos admiramos ao deparamos com uma pessoa negra fora da caixinha e dos seus papéis sociais - pessoas negras que ocupam cargos de liderança em grandes empresas, ou cargos de importância no governo, ou até mesmo como médicos em um algum hospital conceituado. Neste momento, deveríamos nos lembrar que esses papéis que foram distribuídos, onde os negros apenas atuariam como trabalhadores braçais, foram distribuídos no Brasil, o país do escravismo, que colocou diversas pessoas negras dentro de caixinhas de agressividade, luxuria e falta de humanidade.
Essa discriminação racial, baseada em pensamentos preconceituosas, afeta a vida de todos. Não vemos tantos negros, por exemplo, se formandos em medicina. Não há placas nem proibições - mas há o pensamento social inerente de que não fomos concebidos para ocupar esse papel.
Durante a discussão, falamos sobre a falta de médicos e das dificuldades que enfrentamos durante a pandemia por conta disso. E a solução não está tão longe de nós, apenas não a enxergamos: precisamos garantir acesso à educação para pessoas marginalizadas – para formarmos médicos, advogados, no fim das contas, seres humanos preparados para possibilitar o cumprimento dos outros direitos fundamentais da população brasileira.
*Eunice Prudente é professora da Faculdade de Direito da USP e Secretária de Justiça do Município de São Paulo.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.