DESAFIOS

O Supremo Tribunal na nova redemocratização - Por Fernando Augusto Fernandes

Durante a, quais juristas professores se expuseram, escreveram, falaram e se envolveram na luta para que os rumos fossem concertados: Lenio Streck e Pedro Serrano

Supremo Tribunal Federal.Créditos: Fabio Pozzebom/Agência Brasil
Escrito en OPINIÃO el

A crítica a um governo que as forças democráticas elegeram sempre é delicada. Primeiro, muitos têm medo de desagradar, outros de desagregar.

De toda forma, parece que o presidente Lula já deu a deixa ao dizer: “Não precisamos de puxa-saco. Um governo não precisa de tapinha nas costas. Um governo precisa ser cobrado. Peço que vocês cobrem para que a gente faça mais”[1]. Na advocacia isso faz parte dos deveres básicos da profissão estando em lei (art. 31, § 2º, da Lei 8906/94) como dever ético que não deve ter “nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão”.

Há um ditado popular que diz: “amigo é o que avisa que você está com feijão no dente”. Meu pai dizia que “pobre é aquele que não tem com quem se aconselhar”. E no poder há sempre o risco de descolamento das forças que geraram a energia da eleição.

Nesse ponto Flávio Dino deve ser visto como um exemplo que engrandece a política. O recuo na indicação de Edmar Camata para a Polícia Rodoviária Federal, e mesmo a recusa do Coronel Nivaldo Restivo para a Secretaria Nacional de Políticas Penais, monstra duas questões. Primeiro que Dino corretamente está permeável à construção coletiva no Ministério. Em segundo lugar que o tema Justiça, de forma ampla, é extremamente sensível às forças que elegeram Lula.

A pauta da Justiça, direito penal e tudo que isso envolve é palco fundamental na quadra histórica que vivemos e em especial em relação à guerra híbrida, em lembrança ao lawfare que marcou a prisão de Lula e de outros ataques à democracia ocorridos na América Latina.

Inúmeras pautas decorrem desde a necessidade de pensar como democratizar o Poder Judiciário e o Ministério Público, tal como a reformulação de leis que foram aprovadas inspiradas pelas pautas americanas pós 11 de setembro, entre as quais a lei de organização criminosa, agentes infiltrados, delação premiada, lavagem de dinheiro e a formulação de um melhor código de processo penal, até a vigência do juiz de garantias. Mas nenhuma delas é tão importante quanto debater o aprofundamento do Supremo Tribunal Federal na condição de guardião do Estado Democrático de Direito.

Lula conseguiu feitos incríveis no primeiro governo: tirou 33 milhões de pessoas da pobreza absoluta e teve uma administração marcada por uma política internacional exitosa. Hoje, além do combate a fome, é necessário compreender a importância do direito, que pode ser usado como superestrutura na manutenção de infraestrutura exploratória, mas também é possível servir de contenção, garantias, e um caminho constitucional de bem-estar social.

Um projeto de um grande Supremo Tribunal Federal, que sirva de guia para o judiciário brasileiro, um norte para que não se repitam os desvios e abusos, é fundamental. O Supremo conteve nos últimos tempos as tentativas de desvios da constitucionalidade, manteve o rumo eleitoral brasileiro, e muito fez para isso o ministro Alexandre de Morais. A Corte Constitucional cuidou da saúde dos brasileiros com as decisões do ministro Ricardo Lewandowski durante a pandemia. E o Supremo anulou as injustas condenações de Lula, declarando a parcialidade de Sergio Moro, e aí muito se deve aos ministros Gilmar Mendes, Lewandowski e, por fim, a Cármen Lúcia, que mudou seu voto.

Mas não esqueçamos dos equívocos que nos levaram ao caos. Não é à toa o pedido de perdão do ministro Dias Toffoli ao Lula pela decisão que o impediu de ir ao enterro do irmão e quase possibilitou uma mórbida locomoção do corpo de seu irmão a um quartel o Exército[2]. Como Lula bem falou sobre o seu governo atual, não esperem puxa-sacos. Críticas às decisões precisam ser feitas, em conjunto com a defesa da instituição do STF. Toffoli errou ao chamar golpe de estado de “movimento de 1964”[3]. Cármen Lúcia errou ao não pautar as ADCs que tratavam da presunção de inocência colocando em julgamento o HC que visava soltar Lula. Rosa Weber errou ao desempatar favorável à prisão de Lula. Gilmar errou ao impedir Lula de tomar posse na Casa Civil antes do impeachment da presidente Dilma Roussef[4].   O Supremo errou ao fazer uma ida e vinda quanto à presunção de inocência até afirmar a evidente constitucionalidade do dispositivo legal[5], ao determinar a prisão e colocar tornozeleira em senador da República[6].

Mas como evitar que esses erros ocorram? Esperar que Lula indique alguém de sua confiança, que lhe possa ser fiel, que seja amigo, que não venha a lhe faltar? Indicar alguém que seja apoiado por forças políticas? Já tivemos várias dessas experiências. A resposta é não.

Todos os desvios e erros ocorreram pela construção do direito como o que o juiz diz, permitindo-se uma jurisprudência que se adapta às circunstâncias. A criação de princípios inexistentes e a intenção de moldar a interpretação da Constituição à visão momentânea das circunstâncias.

É preciso compreender o direito como ciência, que conta com cientistas que estudam os pormenores, e que de forma multidisciplinar trazem permanentemente a compreensão constitucional, o estudo da dogmática no direito constitucional, do direito penal e processual penal. Não falemos no momento do importante direito civil, de forma ampla, porque não foi nesse campo que manifestamos a fraqueza do regime democrático.

Precisamos, fatalmente, levar ao Supremo quem tem legitimidade e quem tenha reconhecimento acadêmico para falar do Direito e da Constituição com reconhecimento nacional e internacional. Falamos de um Eugenio Raúl Zaffaroni, brasileiro. Quantos nomes temos no Brasil com essa condição?

Que nomes poderiam fazer um STF que lembre Sepúlveda Pertence e que honre cadeiras como de Hermes Lima, Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva. Paulo Bonavides não foi ao STF, nem Jose Afonso da Silva, nem Nilo Batista, ou Juarez Tavares e poderíamos fazer o exercício do que seria se tivessem.

Quais professores de direito constitucional contam com essa legitimidade? E onde estavam quando no “verão passado” vimos a inquisição aflorar no Brasil sob a alcunha de Operação Lava Jato? Quais juristas professores se expuseram, escreveram, falaram e se envolveram na luta para que os rumos fossem concertados: Lenio Streck e Pedro Serrano.

Lenio Streck é advogado, ex-procurador de Justiça, mestre e doutor em Direito. Pós-doutor pela Universidade de Lisboa. Seus feitos não estão em títulos acadêmicos somente. Foi redator da ADC da presunção de inocência, a qual sustentou oralmente no STF. Foi parecerista em inúmeras questões relevantes, é o jurista mais citado na América Latina em teses acadêmicas em filosofia do direito, um dos cinco mais citados em direito público no continente e tem dedicado sua vida à ciência da interpretação no direito, hermenêutica, e buscado anteparos que impeçam o poder interpretativo do juiz no momento de decidir que acabam permitir os desvios e abusos.[7].

Pedro Serrano, que é advogado, pós doutor em Lisboa e Paris, doutor, mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, com pós-doutorado em Lisboa, tem se dedicado de outro modo a interpretar esses desvios apontados por Lenio, que Pedro enfoca como atuações autoritárias e comportamentos tirânicos por agentes públicos camuflados sob verniz de legalidade na plena vigência do Estado Democrático de Direito, inclusive através do sistema de justiça, fenômeno que nomeou “Autoritarismo Líquido”.

Lenio tem 66 anos, nasceu em 1955 e teria 9 anos no STF. Serrano, nascido em 1963, tem 59 anos e teria 16 anos no STF.  Outro ponto a se pensar é a lógica de nomeação que vise ministros que passam décadas. Necessário até mesmo estabelecer prazo para a permanência na Corte. O importante é a qualidade dos ensinamentos pela jurisprudência nesses anos. Aliás, a experiência da idade deve ser um elemento para a nomeação, de forma que deveríamos alterar os 35 anos exigidos para Carta Política para 50 anos.

Tão importante quanto despolitização dos militares e das forças armadas do estado é a compreensão da necessidade de um projeto de institucionalização do Supremo, que passe por nomeações que reinaugurem o reconhecimento nacional e internacional no mundo do direito e que possam falar aos demais componentes do STF em posição de legitimidade cientifica, e nesse governo, que tenham trajetória progressistas tendo lutado no mundo acadêmico e de direito.

 

[1] Conforme noticiado em: https://oglobo.globo.com/politica/ascanio-seleme/coluna/2022/12/nos-nao-precisamos-de-puxa-saco.ghtml

[2] Conforme noticiado em: https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/toffoli-teria-pedido-perdao-a-lula-por-decisao-que-o-impediu-de-ir-a-velorio-do-irmao-quando-preso/

[3] Conforme noticiado em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/toffoli-diz-que-hoje-prefere-chamar-ditadura-militar-de-movimento-de-1964.shtml

[4] Conforme noticiado em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/03/gilmar-mendes-suspende-nomeacao-de-lula-como-ministro-da-casa-civil.html

[5] Conforme noticiado em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=429359&ori=1

[6] Conforme noticiado em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=484609&ori=1

[7] Entre os livros de sua autoria, destaca-se “Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica”; “Hermenêutica Jurídica e(m) Crise” e “Verdade e Consenso”. Lenio Streck é um dos acadêmicos brasileiros mais citados em publicações acadêmicas, tendo fundado a Crítica Hermenêutica do Direito.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.