MOUZAR BENEDITO

Futebol: o Brasil já foi bom nisso!

Sobre as seleções brasileiras que encantaram o mundo e as atuais...

Seleção brasileira bicampeã em 1962.Créditos: Gerência de Acervo e Memória da CBF
Escrito en OPINIÃO el

Homenageando o sucesso dos “Hermanos” e mais uma vez decepcionado pelo fiasco da seleção brasileira, resolvi fazer umas divagações sobre o futebol. 

Quais seleções brasileiras encantaram o mundo? A primeira foi em 1958, na Suécia. Pelé, Garrincha, Didi e Nilton Santos poderiam ser escalados em qualquer seleção mundial. Além disso, tinha Djalma Santos e outros craques também merecedores de “jogar” pelo menos na reserva de uma seleção mundial. Até hoje, merecem. Vejam só, o hoje desprezado Botafogo teve três dos melhores jogadores do mundo jogando simultaneamente (Garrincha, Nilton Santos e Didi). Santos, em São Paulo, e Botafogo, no Rio, eram timaços. O Santos foi bicampeão mundial.

Faziam jogos amistosos pelo mundo todo, o que aliás destruiu a carreira de Garrincha: quando ia jogar em qualquer país europeu, por exemplo, o Botafogo recebia não sei quantos mil dólares com o Garrincha e muito menos sem ele. Aplicavam injeções no joelho estuporado dele, para o time ganhar mais. Ingênuo e gostando de jogar, ele não se importava, jogava. E foi piorando sua condição física por isso, essas injeções que lhe aliviavam o joelho.

Na final, Brasil e Suécia, o Brasil deu um baile tão grande no adversário que a torcida sueca aplaudiu e vibrou com o time brasileiro, composto exclusivamente por jogadores que atuavam no estado de São Paulo e no Rio de Janeiro: o Flamengo cedeu 4 jogadores; Botafogo, Santos e Vasco, 3 cada; Corinthians e São Paulo, 2; Palmeiras, Fluminense, Portuguesa e Bangu, 1 cada.

Didi, do Botafogo, foi eleito o melhor jogador da Copa.

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A seleção de 1962, que conquistou o bicampeonato no Chile, era basicamente o mesmo, com poucas alterações, a principal delas foi a saída de Pelé, contundido no segundo jogo contra a Tchecoslováquia e substituído por Amarildo a partir do terceiro. Na época não havia substituições. Os 11 que entravam em campo eram os 11 que terminavam o jogo, e se alguém se contundisse o time tinha que jogar com 10. 

Garrincha, do Botafogo, foi o grande jogador da Copa.

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A segunda seleção brasileira que encantou o mundo foi a de 1970, no México. A terceira foi a de 1982, na Espanha. Só tinha dois jogadores que atuavam no exterior: Falcão, no Roma, e Dirceu (que nem era titular, se não me engano), que atuava no Atlético de Madri. Mas como essa seleção encantadora perdeu, surgiu um pensamento futebolístico que resultou numa deterioração do estilo de jogo brasileiro: “O que adianta jogar bonito e não ganhar? Melhor jogar feio e ganhar”, diziam, e aí ganhou força na seleção brasileira o estilo Dunga, com estilo grosso mas eficiente no conceito desse pessoal. Dunga foi elemento importante da Copa de 1994, nos Estados Unidos. 

Nessa Copa, pela primeira vez encheram a seleção de jogadores que atuavam fora do Brasil. Onze deles, mas não todos sendo titulares. Eram 3 em times da Alemanha, 3 da Espanha, 2 da Itália, 2 da França e um do Japão. Assim mesmo, todos eram bem conhecidos no Brasil, atuaram bom tempo aqui antes de irem pro exterior. Dava para torcer por eles.

Havia quem jogasse bonito no meio do estilo adotado. Dunga, que jogava na Alemanha, era o representante-mor do futebol feio, mas, também atuando no exterior, havia Romário (que jogava no Barcelona) e Raí (no Paris Saint-Germain), além de Bebeto (no Deportivo La Coruña).

A seleção ganhou a Copa, mas poucos se lembram dela. Ela deixava de ser “brasileira” no estilo de jogo bonito, para ser um considerado mais “eficiente”. Sem graça.

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Em 2002, última vez que o Brasil foi campeão, na Copa realizada no Japão e na Coreia do Sul, a seleção brasileira já era chamada de “legião estrangeira”, pois entre os grandes craques, que eu me lembre, só o Kaká jogava no Brasil (no São Paulo). Os três goleiros atuavam em times brasileiros:  Marcos (Palmeiras), Rogério Ceni (São Paulo) e Dida (Corinthians). Cafu, Júnior e Ronaldo jogavam na Itália. Roberto Carlos, Ronaldinho, Rivaldo, Roberto Carlos e Denilson, jogavam na Espanha. Mas como na seleção de 1974, esses jogadores eram conhecidos aqui, tinham atuado em times brasileiros. Não encantou, mas ganhou, e para muita gente (não para todo mundo), isso é o que vale.

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Em 2006, na Copa da Alemanha, começou pra valer a “legião estrangeira”. Só três jogadores atuavam no Brasil, e nem eram titulares na seleção: Ricardinho (Corinthians), Rogério Ceni (São Paulo) e Mineiro (São Paulo). Foi o início da derrocada. O Brasil nunca mais jogou bonito nem teve boas classificações. Cada copa, um desastre. 

Na de 2022, vários jogadores nunca foram vistos por aqui, a gente nem conhecia. Jogam bem em seus clubes europeus, são destaque, mas quando se juntam na seleção são um fracasso.

Seria o caso de fazer valer a ideia de que só fossem convocados jogadores que atuam em clubes brasileiros? Se é para perder de qualquer jeito, pelo menos que percamos com jogadores pelos quais a gente pode torcer, porque são nossos conhecidos.

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Na seleção brasileira levada para a Copa do Qatar, 12 jogadores atuam na Inglaterra, entre eles dois goleiros. Então daria para dizer que podia-se escalar um time de “ingleses” jogando com a camisa do Brasil, tendo ainda um goleiro no banco. 

Poderão dizer que não, porque não é um jogador em cada posição, teria que ser um lateral esquerdo, um direito etc. E alguns desses jogadores atuam na mesma posição. Mas relembre a seleção de 1970 considerada a melhor de todos os tempos. Alguém acha que é possível juntar cinco jogadores que em seus respectivos times jogam com a camisa 10 e dar certo? Pois em 1970, deu: Pelé, Tostão, Gerson, Jairzinho e Rivelino eram camisa 10 no Santos, Cruzeiro, São Paulo, Botafogo e Corinthians.

Outra coisa: todos os jogadores dessa seleção atuavam em times brasileiros. O time que mais cedeu jogadores para a seleção foi o Santos (Pelé, Edu, Clodoaldo e Joel). Duas equipes cederam três jogadores: Cruzeiro (Tostão, Piazza e Fontana) e Botafogo (Jairzinho, Paulo César Caju e Roberto). Três cederam dois: Corinthians (Ado e Rivelino), Palmeiras (Leão e Baldocchi) e Fluminense (Félix e Marco Antônio). Cederam um jogador as equipes do Flamengo (Brito), São Paulo (Gerson), Atlético Mineiro (Dario), Grêmio (Everaldo) e Portuguesa (Zé Maria).

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Agora outro assunto: muitos possíveis craques não se tornam mais jogadores de futebol no Brasil. Não há campos para eles se tornarem craques. Por exemplo: um filho de pobres morador da região do bairro de Pinheiros, em São Paulo, pode ter a maior vocação do mundo para se tornar um craque, mas só conseguirá se arrumar bolsa numa escolinha de futebol. Não há mais campos na região para ele praticar. 

São Paulo tinha centenas de campos, principalmente na várzea do rio Tietê, mas em outros lugares também, sem cerca nem nada, usados em treinos e jogos por equipes dos bairros próximos. Ficavam a maior parte do tempo livres para a molecada desenvolver sua arte ali. Hoje, essas várzeas foram griladas por empresas ou cedidas a elas pela prefeitura, não há mais espaço para a prática do futebol nelas. 

Falei do bairro de Pinheiros porque mudei para cá aos 16 anos. Na época havia 8 campos de futebol abertos a quem quisesse. Três deles ficavam na beira da avenida Rebouças, perto do rio Pinheiros. Quando prefeito, Maluf cedeu esse espaço todo para construírem o shopping Eldorado e, segundo se divulgou, a “desculpa” era que aos domingos (na época o comércio era fechado nesse dia) o shopping promoveria apresentações de orquestras em seu estacionamento. De graça para o público. Fizeram isso umas poucas vezes.

Outros três campos eram onde hoje é o conjunto do BNH em que moro, construído em 1970. Três times jogavam nesses campos: o 7 de Setembro, o 13 de Maio e o lendário Leão do Morro. Os outros dois eram onde é hoje o fórum da Vila Madalena. 

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Agora um assunto que está mais para a riqueza e o exibicionismo dos jogadores atuais, que gostam de ostentar, entram em campo como se fossem participar de um desfile de moda capilar, e fora dele se exibem fazendo coisas do tipo comer carne com ouro, como fizeram no Qatar. 

Em meados da década de 1960, a Portuguesa de Desportos, hoje combalida, era um dos maiores times de São Paulo. Muitos craques jogavam na Portuguesa, basta lembrar Djalma Santos, um dos melhores laterais brasileiros de todos os tempos, que depois de participar da seleção brasileira foi contratado pelo Palmeiras. Depois Zé Maria, outro jogador da seleção, foi contratado pelo Corinthians.

Pois bem. Conheci dois craques da Portuguesa. Um deles era o ponta-direita Caldeira, cobiçado por outros times; o outro era o goleiro Orlando, apelidado Orlando Gato Preto. Era um negro alto e simpático, que fechava o gol dando pulos que justificavam o apelido. 

Onde conheci os dois? Trabalhando no centro de São Paulo, almoçava numa pensão. Havia muitas pensões em São Paulo, com alguns quartos para moradores, que serviam refeições também para quem não morava nelas. Eu gostava muito da comida (barata) de uma pensão da rua da Abolição, e muitas vezes compartilhava a mesma mesa com Caldeira e Orlando, que moravam lá. Eram moradores da pensão, no mesmo quarto. 

Não acho que deva ser obrigatoriamente assim, os craques têm direito de ganhar um pouco mais e morar em casa própria, né? Mas eles não reclamavam disso. Pessoas com o mesmo “nível” de bom futebol deles, hoje, achariam uma desgraça.

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Para finalizar, acho que futebol deve ser uma diversão, não um negócio e nem uma desculpa para que imbecis que se dizem torcedores descarreguem sua imbecilidade nos outros.

Começo por estes: eu torcia pelo Corinthians e, quando jogavam Corinthians e Santos, ia ao Pacaembu com um amigo santista. A gente sentava no meio de qualquer torcida e torcia normalmente, brincando, o torcedor do time que vencia gozando o adversário, sem nenhuma agressão. Agora, se uma torcida encontra com outra é para briga que pode resultar em mortes. Chegamos ao ponto em que foi determinado que em clássicos só pode entrar torcida do time mandante. Adversário não pode ir ao estádio. E acham isso mais que normal: uma boa solução. Que tempos! Isso é esporte?

E mais: pobre nem tem mais o direito de ir a um jogo nos estádios portentosos de hoje. Qual é o preço do ingresso? Um trabalhador que ganhe pouco gastaria seu salário para ver um jogo no Maracanã, por exemplo, levando dois ou três filhos. Esse estádio, que era o maior do mundo e orgulho dos cariocas e dos brasileiros em geral, era para 180 mil pessoas, mas chegou a receber mais de 190 mil num jogo entre as seleções do Brasil e do Paraguai. Mas vá ver o preço da entrada na época. Acho que na geral não passaria de uns R$ 20,00 em valores atuais. Hoje, com as reformas pra que os que pagam centenas de reais por ingresso, reduziram a lotação para menos de 80 mil pessoas. Mais espaçoso para cada um, mais restritivo contra pobres.

Agora o assunto diversão. Se um jogador dá dois dribles seguidos num adversário, muito provavelmente levará um chute de quebrar a canela. E o agressor teria a cumplicidade até da “mídia” especializada em esportes, que diria que o agredido estava humilhando o outro, e mereceu. Ora... Garrincha não seria possível hoje. Ele chegava a driblar adversários a ponto de fazer com que caíssem sentados. E a torcida vibrava, os locutores e comentaristas também. Não é à toa que um filme sobre ele se chame “Garrincha, alegria do povo”.

Costumo atribuir o futebol alegre, divertido e bonito de se ver de Garrincha a um fato: ele nasceu na cidade de Pau Grande, no Rio de Janeiro, mas seu pai, segundo consta, era um indígena do povo Fulniô, de Alagoas. Uma mera lembrança: os Fulniô ainda existem lá, e falam só português, mas em Pernambuco, município de Águas Belas existem mais de cinco mil deles, que, além do português, falam também sua própria língua, o Iathê, do tronco macro-jê. Mas volto ao Garrincha: acredito que seu estilo de jogo se devia a essa origem indígena, que não via o esporte como um negócio, mas como uma diversão.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum