No capítulo intitulado “Controle econômico e totalitarismo”, F. A. Hayek afirma que “os objetivos da atividade dos seres racionais nunca são econômicos. Rigorosamente falando, não existe ‘interesse econômico’, mas apenas fatores econômicos que condicionam nossos esforços pela obtenção de outros fins".[1]
A economia, na visão liberal, não deve ser planejada, ou orientada em direção a um objetivo geral. Isso seria impedir que os indivíduos usem o mercado para atender seus interesses privados (supostamente não econômicos). Ou seja, não pode haver um governo que planifique a economia.
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Na visão de Hayek, a economia deve funcionar da seguinte maneira: “o governo limita-se a fixar normas determinando as condições em que podem ser usadas os recursos disponíveis, deixando aos indivíduos a decisão relativa aos fins para os quais eles serão aplicados”.[2]
Nessa perspectiva, o mercado deve ser um lugar onde as pessoas extrairiam recursos para atender às suas necessidades particulares. Para Hayek, o planejamento determina quais são as necessidades do momento atropelando os demais interesses em conflito.
Portanto, não deve haver uma política econômica voltada para o fim da fome. A economia deve ser um espaço livre onde cada um retira dali os recursos que bem entende. “O estado", explica nosso economista, “deve limitar-se a estabelecer normas aplicáveis a situações gerais deixando os indivíduos livres em tudo que depende das circunstâncias de tempo e lugar, porque só os indivíduos poderão conhecer plenamente as circunstâncias relativas a cada caso e a elas adaptar suas ações”.[3] Deste modo não haveria um propósito geral como sociedade. Não existe, no liberalismo, um projeto social de acabar com a fome, melhorar a educação ou fazer com que todos sejam atendidos satisfatoriamente quando carentes de saúde, moradia, alimentação etc. Nesse sistema, só há indivíduos, não há sociedade.
Nessa utopia liberal, não há necessidades sociais, apenas necessidades individuais. Se um indivíduo investe uma quantia em uma determinada empresa, ele deve receber o rendimento e usá-lo no que bem entender. Não deve haver “desvios" para atender aqueles que não têm condições de investir. Só tem direito ao dinheiro aquele que investe.
É interessante que os liberais defendem que os pobres tenham direito a um auxílio, defendem voucher dado pelo governo para que os desfavorecidos coloquem seus filhos em escolas privadas etc. Mas são contrários a um projeto econômico estatal que crie mais escolas, hospitais, moradias etc. Porque preferem que o Estado pague a uma iniciativa privada a tornar o Estado um concorrente. Se o Estado oferecesse educação de qualidade e hospitais de qualidade seria um forte concorrente da empresa privada, o que seria ruim para os negócios.
Ou seja, quando os economistas se colocam contra uma política econômica voltada para o extermínio da fome, eles não estão dizendo que este projeto é impraticável porque é necessário primeiro crescimento para depois acabar com a fome. Não. É porque haverá um “desvio” do fluxo de lucros. Em vez de ir tudo para o bolso do especulador, ir para um projeto social.
Adela Cortina, baseada em diversos estudos sobre a redução da pobreza, mostra que “as políticas destinadas a melhorar a igualdade de oportunidades podem ser mais eficazes na redução da pobreza do que aquelas que tentam estimular o crescimento econômico”.[4]
Funciona da seguinte forma. Um investidor aplicou 2.000 reais em uma ação na Petrobrás. Vamos supor que em um ano ele consiga multiplicar esse investimento e tenha o retorno de 4.000 reais. Em uma economia planejada, por exemplo, ele teria o retorno de 3.000 reais e 1.000 ficaria para atender às necessidades sociais; 1.000 reais seriam impostos cobrados para fins sociais. É lógico que o imposto deve ser proporcional à renda, ou como sugere Thomas Piketty, “essa tributação globalmente proporcional serve para financiar as transferências para os desempregados, despesas com educação e, sobretudo, as aposentadorias e despesas com saúde”.[5]
Isso afastaria os investidores? Talvez. Tudo dependerá da dinâmica. Devido à importância estratégica que o Brasil tem no mundo, seu poder de negociação é enorme. Por isso, um Estado empreendedor me parece ser uma alternativa real. O fato é que devemos encarar a economia apenas como um instrumento pelo qual os indivíduos usufruem para atender seus caprichos? Precisamos imediatamente de uma educação social que desenvolva o espírito da solidariedade. Essa educação deverá atingir principalmente os mais pobres para que estes não sejam alvos de uma ideologia individualista que prejudica a sua própria existência.
A riqueza é fruto do trabalho. Alguém tem que trabalhar para render o dinheiro dos investidores. É justo que o operário trabalhe cada vez mais para atender aos caprichos individuais dos rentistas? Estes, por sua vez, não devem “perder" nada? É certa essa lógica na qual uns veem sua riqueza multiplicar enquanto outros não têm acesso a um prato de comida?
[1] HAYEK, F. A. O caminho da servidão. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010, p. 102.
[2] Id., p. 90.
[3] Id., p. 91.
[4] CORTINA, A. Aporofobia: a aversão ao pobre. São Paulo: Contracorrente, 2020, p. 168.
[5] PIKETTY, T. A economia da desigualdade. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2015, p. 117.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.