Nesta quarta-feira, 16 de novembro de 2022, o escritor português José Saramago, único Prêmio Nobel de Literatura de nossa língua, recebido em 1998, completaria 100 anos. Morto em junho de 2010, aos 87, ele nos deixou talvez aquela que seja a derradeira grande obra escrita na Última Flor do Lácio.
Para além de seus livros, o futuro que nos aguarde.
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Em 2002, pude entrevistá-lo durante uma coletiva, no Anhembi, em São Paulo. Ansioso e mal dormido, fui com um exemplar de “A Jangada de Pedra” debaixo do braço e aguardei, bem cedo, para que ele autografasse.
Assim que o escritor chegou, estendi o livro. Ele me olhou fundo nos olhos e respondeu: “Não, não vou autografar nada”.
Engoli em seco e segui para a coletiva contrariado. O trabalho tinha que ser feito. Naquelas alturas, já havia lido praticamente tudo que ele escrevera até então. Perguntei naturalmente durante a entrevista sobre suas obras, significados, projetos etc.
No final do evento, fiquei meio a distância, desconfiado. Ele atendeu algumas pessoas, se despediu e, surpreendentemente, me chamou com um sinal. Pegou o livro da minha mão, autografou e me deu um quase sorriso.
Foi como ter ganho um presente de Natal aos oito anos de idade. Coloco abaixo a foto deste momento, registrado pelo amigo Gefferson Eusébio, que depois me confessou que nunca havia me visto tão nervoso.
Obras maiores e outras nem tanto
Segui lendo suas obras que foram lançadas ao longo dos anos seguintes. Cheguei a discutir de maneira veemente com meu pai, outro leitor voraz dele, sobre a qualidade de seus últimos livros, sobretudo “As Intermitências da Morte”. Não o considerava tão bom quanto suas obras máximas, como o próprio “Jangada de Pedra”, “O Ano a Morte de Ricardo Reis”, em que ele dá vida ao famoso heterônimo de Fernando Pessoa e, acima de todos, “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”.
Este, um livro escrito por um comunista e ateu convicto, que mudou todos os paradigmas a respeito da visão, principalmente da esquerda, sobre a religião e a Bíblia. Hoje, com meu pai e o escritor passeando juntos na memória, talvez me arrependa um pouco de tanto rigor. Talvez não.
Ler Saramago tendo como paradigma o próprio Saramago talvez me dê um tantinho de razão. No entanto, se formos levar em conta toda a produção literária que se seguiu, vale e muito ler qualquer coisa que o escritor tenha nos deixado, nem que seja um mínimo bilhete à sua companheira, a jornalista espanhola Pilar del Río.
Este breve relato sobre o centenário do escritor teima em ser pessoal quase que de propósito. Assim como a de muitos leitores mundo afora, ele também mudou – e muito – a minha vida.
E assim seria mesmo que não tivesse autografado meu livro, que guardo orgulhoso por tantos anos.