OPINIÃO

PTB 2022: o fim de uma sigla usurpada - Por Mouzar Benedito

"Vendo o espetáculo promovido pelo bolsonarista agora abandonado pelo seu ídolo, não pude deixar de me lembrar da história desse partido... que já teve história"

PTB de 2022 tem "padre" Kelmon e Roberto Jefferson.Créditos: Divulgação
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Triste fim, simbolizado pela prisão espalhafatosa do boquirroto Roberto Jefferson. Vendo o espetáculo promovido pelo bolsonarista agora abandonado pelo seu ídolo, não pude deixar de me lembrar da história desse partido... que já teve história. Um deputado federal eleito este ano! 

Já existiu um outro PTB, muito forte no Brasil, especialmente no Rio Grande do Sul e na Guanabara, estado constituído por uma única cidade, o Rio de Janeiro. 

Criado por Getúlio Vargas em 1945, para, como dizia “servir de anteparo entre os sindicatos e os comunistas”, acabou abrigando muita gente de esquerda, entre os quais Leonel Brizola. Não era um partido integralmente “de esquerda”, mas era o que tinha (além do PSB, mais à esquerda) uma linha mais progressista. Era a terceira força política nacional, só menor que o PSD (Partido Social Democrático – que tinha, entre outros, Juscelino Kubitschek) e a UDN (União Democrática Nacional – que de democrático não tinha nada, foi sempre golpista, e tinha Carlos Lacerda como um dos dirigentes).

Em 1964, veio o golpe, com o presidente João Goulart, do PTB, sendo deposto por militares apoiados pela UDN, pelo PSP (Partido Social Progressista, liderado por Adhemar de Barros), por boa parte da igreja católica, jornalões... A promessa era tirar os “comunistas” do poder e devolvê-lo aos políticos, coisa em que acreditavam três governadores que deflagraram o golpe, esperando serem alçados à presidência. Magalhães Pinto (UDN – MG), Adhemar de Barros (PSP – SP) e Carlos Lacerda (UDN – Guanabara) aspiravam o apoio dos milicos. Para conseguirem chegar à presidência tinham que tirar do caminho um político que ganharia fácil as eleições de 1965, Juscelino Kubistchek, do PSD. Então, sob aplausos dos apoiadores da ditadura, Juscelino teve seus direitos políticos cassados, assim como milhares de outros políticos, sindicalistas etc. 

Mas os milicos gostaram do poder. Não entregaram a rapadura, resolveram ficar mais “um pouquinho”, e esse pouquinho durou 25 anos. Quando cancelaram as eleições, Lacerda estrebuchou e foi cassado. Adhemar também foi cassado, por corrupção, e Magalhães Pinto ficou no limbo. 

Havia 13 partidos. As eleições para presidente foram canceladas, mas mantiveram para governadores em alguns estados (naquele tempo não coincidiam em todos os estados). A UDN, que apoiava mais abertamente a ditadura, perdeu as eleições em Minas e na Guanabara, e isso irritou os milicos. Acabaram com todos os partidos e criaram dois: Arena (Aliança Renovadora Nacional), dos ditadores, e MDB (Movimento Democrático Brasileiro), da oposição consentida. 

Bom... Perto do fim da ditadura, já se iniciou a criação de novos partidos... O MDB, que tinha se tornado forte e com alguns oposicionistas de verdade, teve que mudar de nome, os partidos tinham que ter a palavra “partido” em seus nomes, e a opção foi colocar um P, de Partido, antes da sigla. A Arena, desmoralizada, virou PDS (Partido Democrático Social).

IVETE E GOLBERI NO MEIO DO CAMINHO

Em 1979, Brizola se movimentava para recriar o PTB, e no meio sindical, com apoio de uma ala progressista da Igreja e de parte dos partidos clandestinos, especialmente trotskistas, surgia a proposta do PT.

No PMDB, que se julgava “o” partido de oposição, criaram a história de que o gênio do mal da ditadura, general Golbery do Couto e Silva, criador do SNI (Serviço Nacional de Informações) e ministro da Casa Civil de 1974 a 81, havia manipulado para a criação do PT, para enfraquecer o PMDB. 

E Leonel Brizola agia para recriar o PTB, sigla histórica, provocando medo na direita e até em parte de uma oposição “moderada”. Achava-se que nas primeiras eleições para presidente que viesse ele ganharia de qualquer um. Com a sigla PTB, então... seria de lavada. O PTB ficou na memória popular como um partido a favor dos trabalhadores.

Nessa época, eu colaborava no jornal Em Tempo, abertamente de esquerda. Dois colegas receberam um dia a tarefa de entrevistar o general Golbery, não me lembro sobre qual assunto. Mas antes de entrarem na sala do general, chegou Ivete Vargas, sobrinha neta de Getúlio Vargas, que teve preferência. Foi recebida pelo general e os dois jornalistas tiveram que esperar. Mas a conversa de Golbery e Ivete foi ouvida pelos dois, porque a porta ficou entreaberta. 

Ivete foi direto ao assunto: “Não podemos entregar o PTB para a esquerda”. E Golbery concordou com ela. Brizola liderando o PTB seria uma desgraça para eles. Foi manchete do jornal. Ivete, apesar de ser do velho PTB havia se tornado uma direitista fanática. E mesmo Brizola tendo pedido antes dela o registro do PTB, ela ganhou. O PTB ia para as mãos da direita, como queriam os militares e a própria Ivete Vargas, nova líder do partido. Usurparam a sigla de Brizola, que teve que procurar uma outra, e criou com petebistas autênticos o PDT (Partido Democrático Trabalhista). E mesmo sem ser do PTB, ganhou mesmo a primeira eleição de que participou, para governador do Rio de Janeiro, em que a Globo tentou manipular o resultado.

UM TIRO NO PÉ

O PTB dos velhos tempos, pré-ditadura, não tinha força em São Paulo. Getúlio Vargas, eleito presidente em 1950, aliou-se aqui a Adhemar de Barros, um político de direita. Não da direita raivosa na época, mas de direita. 

Já nos tempos da redemocratização, o PDT de Leonel Brizola teve chance de ganhar força aqui. Alguns bons deputados do PT, que tinham alguma discordância com a linha do partido e romperam com ele de vez (ou foram expulsos) depois de votarem em Tancredo Neves na eleição indireta para presidente, contrariando a orientação petista, desde um pouco antes já namoravam o PDT. Tinham simpatia por Brizola e seu partido. Entre eles, os deputados federais Airton Soares e Bete Mendes, e com eles o deputado Sérgio Santos e não me lembro quem mais. No PMDB, dois dos melhores deputados estaduais - Waldyr Trigo e Nelson Nicolau - também planejavam ir para o PDT.

Mas Brizola, lembrando da aliança de Getúlio Vargas e Adhemar de Barros aqui, em outros tempos, preferiu “entregar” a sigla a Adhemar de Barros Filho, que não tinha nem um pouquinho do carisma do pai e, além disso, era do PDS, partido da ditadura que cassou Adhemar. 

Os políticos autênticos, que criariam uma boa base para os trabalhistas em São Paulo, sentiram-se sem condições de ir para o PDT. Ter como presidente estadual um político inexpressivo e direitista? Pularam fora. E Adhemar de Barros Filho não contribuiu em nada para fortalecer Brizola aqui.

A DERROCADA

O PTB chegou a ter alguma importância, nesses novos tempos de Ivete Vargas. Jânio Quadros, que usava siglas partidárias sem qualquer preocupação com seus programas, ganhou a eleição para prefeito de São Paulo em 1985. E cresceu, chegou a eleger 31 deputados federais em 1994, repetindo a dose em 1998. 

E veio o efeito Roberto Jefferson: em 2018, elegeu 10 deputados federais. Em 2022, um deputado!

Triste e merecido fim. 

UM LAMENTO

Citei que o PTB era forte especialmente no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro. Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro (seja como estado da Guanabara, seja como capital do seu estado atual) eram polos de resistência à ditadura e, depois dela, votavam na maioria em partidos de esquerda ou progressistas. 

Neles, a direita sempre perdia. Agora... General Mourão jogado de paraquedas no Rio Grande do Sul é eleito senador, e Onyx foi para o segundo turno como candidato a governador... O Rio de Janeiro (cidade e estado) elegendo alguns dos piores políticos possíveis. Deixaram de ser referências para nós, de outros estados. Uma pena!

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum

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