Minha coluna de hoje é recheada de memórias, vivências e algumas informações. Eram os anos de 2007 e 2008 quando fui trabalhar numa igreja da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Eu era seminarista e “pastor de jovens” daquela comunidade. Por motivos óbvios não entrarei em detalhes de qual igreja era e o motivo ficará bem evidente no texto. Era uma Igreja Batista na região de Campo Grande, o bairro mais populoso do Brasil. No censo de 2010, Campo Grande tinha mais de 320.000 habitantes. Sim, estou falando de um BAIRRO com mais de 300 MIL habitantes!
O drama começa na primeira vez que fui para o culto dominical. Eu morava na Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro, a quase 50 Km da igreja. Era em torno de uma hora e meia entre metrô e ônibus. Ao descer do metrô e esperar o ônibus que me levaria, um clima de medo. O Rio de Janeiro atravessava um momento de guerra entre tráfico e milícias. Alguns ônibus simplesmente poderiam ser interceptados e, a depender das forças que fizessem isso, você ser obrigado a descer e ver o ônibus ser queimado ali, na sua frente. A guerra envolvia, além da disputa territorial, outras formas de poder nas comunidades. Entre elas, o transporte público.
Mas afinal de contas, o que são as milícias?
Nos anos 60 e 70 o tráfico de drogas se alastrou por comunidades e favelas do Rio de Janeiro. A disputa era, essencialmente, territorial. Principalmente na Zona Oeste do Rio de Janeiro, com bairros/comunidades de grande extensão geográfica e com saídas para diversas regiões do Estado e a própria cidade. Começam a surgir, então, os grupos de extermínio formados, essencialmente por militares da reserva, policiais da ativa e muitos acobertados pelo poder, já que falamos aqui de um período onde quem mandavam eram os militares.
Com a desculpa de proteger a comunidade do poder do tráfico, surge então, em Rio das Pedras (até hoje comandada pelas milícias) um grupo que oferecia “segurança quanto ao tráfico”, impedindo a ação dos traficantes na região, mas submetendo-a a um outro tipo de poder. Nos anos 80/90 o que era apresentado como “proteção” começa a mostrar seus outros tentáculos: violência contra moradores, imposição de regras para a comunidade e, principalmente, o monopólio de serviços essenciais para a vida dos moradores. E um novo fator fortalece ainda mais o que seria conhecido como MILÍCIA: o total comprometimento/subserviência a políticos, o que garantiria a plena funcionalidade das milícias nos territórios disputados.
A onda se espalha. Grupos de policiais corruptos, ex militares e políticos influentes começam a disputar espaços com o tráfico. “Expulsando” os traficantes das regiões de atuação e ocupando o poder que, agora, ficava sem “cabeça”. Na década de 90, por exemplo, surge a “Liga da Justiça”, maior milícia do Rio de Janeiro que praticamente domina a Zona Oeste, começando por Cosmos e dominando regiões como Campo Grande, Inhoaíba, Paciência e Santíssimo.
Resumo: Milícias são bandidos, infiltrados e oriundos das polícias e instituições militares, com tentáculos que chegam às esferas do poder político. Um dos políticos mais envolvidos com as milícias (vide seus vídeos e proposições homenageando/premiando conhecidos milicianos) hoje, infelizmente, ocupa a presidência da república: Jair Messias Bolsonaro, que tem sempre por perto pessoas totalmente ligadas às milícias no Rio de Janeiro, como Ronnie Lessa, PM reformado que é o principal acusado de matar Marielle Franco e o ex-PM Adriano da Nóbrega, miliciano que chegou a ser condecorado com a medalha Tiradentes, na Alerj, por Flavio Bolsonaro. Milícia é, então, CRIME ORGANIZADO. Milicianos são CRIMINOSOS.
Como é a vida numa região de milícia?
Uma região onde a milícia manda é um território sequestrado, dominado e refém do poder miliciano. Nada acontece numa área de milícia que não seja explorado financeiramente (o que significa que o morador é explorado, vilipendiado, oprimido) pelos “bandidos oficiais”. A milícia expulsa o “traficante”, mas não o tráfico. Ela assume o tráfico, mas não só isso: a comunidade fica submissa a todos os serviços que são dominados pela milícia – desde o gás, a internet, o transporte até mesmo a exploração imobiliária.
A vida é um inferno em regiões de domínio miliciano. Nada é livre. É uma DITADURA, com requintes de crueldade e violência, onde qualquer ação que não seja DETERMINADA pela milícia é respondida com violência, tortura e, em muitos casos, morte. Não é à toa que o miliciano Jair Bolsonaro é favorável à tortura e assume que sua “especialidade é matar”.
Como pastor, por exemplo, QUALQUER EVENTO da igreja que fosse fora do templo, tinha que ter a AUTORIZAÇÃO da milícia para acontecer. E nada podia ser dito contra os políticos que comandavam os grupos e nenhuma palavra de apoio a qualquer outro político. Caso isso acontecesse, a resposta viria de forma truculenta e violenta. Ou o pastor se submete às regras ou a igreja pode, simplesmente ter que fechar as portas. Sim! As milícias têm esse poder. Não há respeito por NENHUMA instituição religiosa (curiosamente até o tráfico mantém essa relação de respeito/medo com espaços religiosos – historicamente com religiões de matrizes africanas e hoje com as novas evangélicas). A milícia, não! Eles são a “divindade” do território, para a qual toda a comunidade deve obediência e subserviência.
Pois é esse risco que o Brasil corre cada vez mais com o poder de Bolsonaro. Que aqueles religiosos que sejam críticos ao seu poder sejam maltratados, calados e ofendidos. O que aconteceu em Aparecida do Norte e tem acontecido com pastores que desafiam alguns poderosos mercadores da fé é apenas um aperitivo daquilo que está por vir. Bolsonaro, sim, vai fechar igrejas. E vai fechá-las pela impossibilidade da pregação do Evangelho que clama por quem tem fome, por quem é excluído, por quem é oprimido. O Evangelho, hoje, é a maior força antagônica ao poder miliciano de Bolsonaro. E não tenho dúvidas de que isso acontecerá!
Triste também ver que São Paulo está prestes a embarcar na milicianização de seu território. Morei na capital paulista e não tenho dúvidas de que há um projeto de tomada de territórios paulistanos pelas milícias. Há um processo de transformar o Brasil numa “república de milícias”, governada por CRIMINOSOS, com agentes do CRIME ORGANIZADO em todas as esferas de poder, e governando as principais capitais do país.
Que Deus nos livre dessa praga! O Brasil não merece!
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.