No caminho para o centro da cidade, por volta das dezoito horas, e pendurado na parte de trás do caminhão do lixo, o gari encontra entre as sacolas que acabou de recolher às margens da rua um jaleco de médico. Como um equilibrista, rapidamente veste a peça branca que contrasta com seu ambiente de trabalho nada asseado. Quando a peça assenta-se ao corpo, o gari passa a mão no lado do esquerdo do peito, onde localiza-se o nome do médico que agora está ausente. Solta um leve sorriso. Talvez, em sua fantasia, naquele momento, seu nome está ali e ele é um doutor.
A cena aconteceu em de Blumenau nesta semana. No mesmo dia, o Governo Federal anunciou um bloqueio de R$ 2,4 bilhões do orçamento deste ano na Educação Pública. Medida que foi cancelada devido a pressão da sociedade civil e dos reitores e dirigentes de escolas técnicas federais. Na verdade, a medida atabalhoada do Ministério da Educação foi mais um capítulo da desastrosa gestão do governo federal na área da educação.
Nos últimos quatro anos teve de tudo. Só ministros da Educação foram cinco. O penúltimo foi preso por se meter em uma quadrilha de pastores que cobravam propina em barras de ouro para liberarem recursos do FNDE (Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação). O anterior, que era seguidor do finado astrólogo Olavo de Carvalho, fugiu do pais para não ser preso.?Este, por sua vez, substituiu o vagaroso Ricardo Vélez Rodriguez, também indicado pelo guru do bolsonarismo.
O desastre na educação não é obra o acaso, muito menos os cortes de verbas e desmontes, e as confusões no MEC. Não são impensados. É uma confusa engenharia ideológica do bolsonarismo que combina a chamada "guerra cultural" contra a esquerda, militarização das escolas e receituário neoliberal representado por Paulo Guedes e sua turma. Este, aliás, já afirmou que universidade deveria ser algo reduzido à elite. O resultado é a principal área de desenvolvimento do pais reduzida a escândalos de corrupções e improvisações.
Há quem diga, que este país saiu dos trilhos quando a elite percebeu os filhos e filhas de trabalhadores começaram a chegar na universidade. Talvez seja verdade. O antropólogo Darcy Ribeiro dizia que a crise na educação brasileira não é uma crise, mas um projeto. No governo dos milicianos, esse projeto alargou-se. A ausência e projeto é o próprio projeto. O passivo deste descaso será alto. Um triste saldo para a atual e futuras gerações.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum