Analisar o Orçamento aprovado para o último ano do atual governo é fazer um balanço sobre a tragédia vivida pelo Brasil desde que Bolsonaro tomou posse. A peça orçamentária reflete suas prioridades, fraquezas e desorganização. Conduzido por militares, o Estado autoritário e policialesco coloca no topo dos gastos públicos o Ministério da Defesa, a quem destinou R$ 8,8 bilhões, e pela primeira vez concede aumento salarial apenas à uma categoria de servidores, a Polícia Federal.
Com um presidente sem projeto de governo e praticando crimes de responsabilidade em série, a condução da implementação das verbas federais passou a ser dos parlamentares que afiançam sua continuidade no poder. Por isso, foi destinada a estratosférica cifra de R$ 16,7 bilhões para o Ministério do Desenvolvimento Regional, em gastos de baixo impacto social, pouco transparentes e sem nenhuma equidade na distribuição, destino das emendas do orçamento do relator.
Diante da maior crise econômica dos últimos tempos, aprofundada pelo caos sanitário, setores vitais para a população, como saúde, educação, assistência social e outros direitos sociais foram desprezados.
Coerente com o rumo do pior governo de nossa história, o Orçamento de 2022 vai produzir mais fome, desemprego e novamente beneficiar milionários e bilionários, que lucram com a exclusão e miséria alheia.
Em um país devastado por uma pandemia que levou mais de 620 mil vidas e volta a se alastrar, o Ministério da Saúde foi desprezado com a destinação de R$ 4,7 bilhões, metade do que ganhou a pasta dos militares. O congelamento do valor mínimo obrigatório de aplicação ainda causa prejuízo de R$ 12 bilhões ao SUS em 2022. Sequer há recursos na LOA para garantir a vacina contra a Covid-19 a toda a população.
Com um quadro dramático de abandono e exclusão escolar, o ministério da Educação ficou com apenas R$ 3,7 bilhões. Na pasta, houve o cancelamento de R$ 1,5 bilhão em dotações do próprio órgão, prejudicando diretamente o funcionamento dos IFES (Institutos Federais de Ensino Superior) e IFETS (Institutos Federais de Ensino Técnico e Superior). No país onde um quepe vale mais que o cérebro, em 2022 o menor investimento será do Ministério da Ciência e Tecnologia, com apenas R$ 756 milhões.
Em um orçamento global de R$ 4,82 trilhões, os recursos para o pagamento do chamado Auxílio Brasil, que pretensamente queria substituir o exitoso Bolsa Família, só foram alocados à última hora, graças ao calote do governo em parte das dívidas já constituídas com milhares de brasileiros, as quais deveriam ser pagas este ano por meio da quitação de precatórios. E, mesmo com um aporte adicional de mais de R$ 50 bilhões para o novo programa, 27 milhões de famílias que recebiam auxílio emergencial ficarão de fora deste auxílio.
Numa situação de calamidade socioeconômica, foram retirados da Previdência e do Benefício de Prestação Continuada R$ 16,5 bilhões. O Orçamento não considera os milhões de excluídos, seja por desemprego, os que ficaram sem benefícios sociais ou os que aguardam concessão de aposentadoria. O salário mínimo, que é um dos principais instrumentos de geração de renda e impulsionador da economia, ficou em R$ 1.212, deixando a remuneração recebida por milhões de trabalhadores sem aumento real.
No que diz respeito aos salários de servidores públicos federais, mantém-se o quadro de congelamento que perdura já 5 anos, mesmo com a defasagem causada pela inflação. Para piorar, foi praticada uma quebra de isonomia no trato com as diversas categorias, com a destinação de R$ 1,7 bilhão para aumentar a remuneração exclusivamente para a Polícia Federal, num gesto de agradecimento pela benevolência aos crimes praticados pelo presidente e seus filhos. O aumento em detrimento ao congelamento para as demais carreiras gerou um clima de revolta que já repercute em episódios como o pedido de demissão dos servidores que ocupam posições de chefia no Banco Central, em movimento similar adotado à entrega de cargos de servidores da Receita Federal.
Instrumento fundamental para o desenvolvimento, o investimento público foi colocado num plano secundário e em 2022 teremos o menor valor dos últimos anos. Foram destinados apenas R$ 44 bilhões, menos de um quarto do valor investido em 2012 (R$ 200 bilhões).
Os cortes nesta área ocorrem sucessivamente desde o golpe em 2016, ano em que o teto de gastos limitou o investimento público em R$ 63 bilhões. Essa política recessiva cria um quadro de incertezas em que o setor privado não investe e o gasto público não é suficiente para induzir os investimentos das empresas.
O processo orçamentário de 2022 mais uma vez mostrou a opção equivocada do governo federal e da maioria do Congresso em apostar no modelo neoliberal, fracassado e ultrapassado no mundo todo. Às custas da miséria de milhões de brasileiros, o mercado financeiro garante seus exorbitantes lucros, com os bilhões previstos para juros reais e financiamento da dívida pública. Dos R$ 4,8 trilhões de despesas previstas, 1,9 trilhão de reais referem-se a refinanciamento da dívida.
A peça aprovada mistura austeridade, flexibilização casuística de regras e priorização de despesas sem impacto social, com baixo efeito multiplicador e redistributivo, amarrando o Brasil numa crise sem fim.
Os governos Lula e Dilma, de 2003 até o golpe de 2016, demonstraram que não se pode confundir austeridade fiscal com responsabilidade fiscal. No período, conseguiu-se alcançar prioridade em investimentos sociais, recorde de investimento público, aumento real do salário mínimo, mas mesmo assim foram obtidos expressivos superávits fiscais.
Nesse contexto, é urgente uma reforma no modo de se elaborarem o orçamento público e as regras fiscais que o determinam. Regras fiscais rígidas impedem gastos necessários para o desenvolvimento. Flexibilização fiscal seletiva cria incertezas no mercado. Prioridade para gastos sem impacto econômico e social não gera efetividade das políticas públicas. A Lei Orçamentária é o espelho de todo este quadro que afasta o orçamento das demandas da população.