Lenilda dos Santos tinha 49 anos. Era mãe de duas moças e técnica de enfermagem. Recém-separada, resolveu tentar entrar nos EUA ilegalmente para ter uma vida mais digna. Embarcou para o México com três “amigos” de infância e conseguiu cruzar a fronteira. Já dentro do território estadunidense, guiados por um “coiote”, o grupo precisou atravessar a pé o deserto do Novo México, até chegar à cidade que serve de porta de entrada aos imigrantes ilegais.
Só que Lenilda sucumbiu. Exausta, precisou parar a travessia em meio a uma das zonas mais áridas do planeta. Ela procurou sombra, repousou, e recebeu a promessa de que os “amigos” retornariam para buscá-la, trazendo água e comida. Uma espera em vão. Morreu de sede, largada no solo rochoso.
O caso de Lenilda é o retrato da nossa desesperança. Serve como ilustração do esfacelamento que vivemos como nação pouco tempo depois de vivermos nosso período mais próspero. Só no primeiro semestre desse ano, foram 150 brasileiros detidos por dia nos EUA tentado entrar pelo deserto. Fora os que vão para a Europa, para o Japão, para os países vizinhos da América Latina.
Há uma década éramos a 6ª economia do mundo. Moeda valorizada, poder de compra a todo vapor e um índice de desemprego de causar inveja a qualquer país desenvolvido. Hoje notamos que, para além disso, a percepção que temos está também relacionada à autoestima. Viramos não só um país moído socialmente, com miséria vazando por todos os lados, com 15 milhões de pessoas sem encontrar emprego e outras 15 milhões que já não procuram mais.
Nós somos os párias. Aqueles de quem se deseja distância. Por quem não se pode sequer sentir pena, pois de nossas mãos foi esculpido nosso próprio destino.
Jair Bolsonaro vai muito além do aloprado mau-caráter com traços de psicopata, do sujeito abjeto que ofende chefes de Estado, que ignora a diplomacia e rompe com décadas de cooperação multilateral. Ele é muito mais que um idiota sem escrúpulos que deseja uma lei que o autorize a mentir, do que o croqui de déspota que tenta montar uma polícia política para eliminar opositores.
Quando essa falta de higiene mental traduzida em ser humano chamada Jair Bolsonaro sair do poder, o que permanecerá são os escombros. Os cacos de um povo choroso, com fome, desnutrido, brutalizado pela violência policial, sem ocupação, castrado de seus sonhos e lançado num êxodo mortal como o de Lenilda, em busca de vida, pois aqui já não haverá.
Não foi só a sensatez e a dignidade que Bolsonaro nos tomou. Foi o sopro da vida, foram as condições elementares que nos constituíam como nação e povo. Sem trabalho, sem dinheiro, sem sorriso, sem churrasco, sem a cervejinha, sem a piada, enfim... Um Brasil sem Brasil.
Quantas Lenildas não sobreviveram em suas travessias do desalento e agora vivem nas agruras de um exílio anunciado? Haverá de fato perseverança o suficiente para continuar a luta?
Lenilda, morta num deserto de desespero, é só nossa metáfora mais precisa.