As cenas de miséria crua se multiplicam Brasil afora, dos rincões úmidos da Amazônia, passando pelo árido sertão nordestino, até os corações das grandes metrópoles. São 160 mil brasileiros vivendo nas ruas, segundo o Programa Transdisciplinar Polos de Cidadania da UFMG, 125 milhões em situação de insegurança alimentar, de acordo um estudo da Universidade Livre de Berlim em parceria com UnB e a UFGM, além 30 milhões de brasileiras e brasileiros que não conseguem emprego ou já nem os procuram mais, conforme dados do IBGE.
Mas isso tudo é estatística. A fila do osso, com as mães de família descabeladas pelo desespero mordiscando os fiapos de carne crua ali mesmo, sob o sol cuiabano, ou os idosos com cara de choro nos mercados por perceberem o quão insuficiente é aquela ninharia paga como pensão, que nem um quilo de carne de segunda com sebo e nervuras pode comprar, compõem o mosaico de realidade com o qual nos defrontamos diariamente. Até a inflação, monstro do passado, ressuscitou para nos assombrar.
Curioso mesmo é que o mito tenha conseguido desagradar a todos com suas medidas bárbaras de incivilidade e ultraneoliberias encabeçada pelo estorvo que chefia a Economia. A desgraça é tão ampla, geral e irrestrita que até os maganos do capital perceberam que diante de tanta destruição e total desorganização fica difícil lucrar, pelo menos da forma como gostariam. O bolsonarismo desafia até a lógica do capitalismo, uma vez que, até quem fatura com a escravização e o sofrimento dos brasileiros já percebeu que o caos é grande demais para isso. Agora, pulam do barco, enquanto o parasita vocifera.
Vocifera, mas não larga o osso. Nem os luxos. Passeios de moto em possantes veículos de duas rodas, aviões e helicópteros da FAB para lustrar o ego autoritário. Filhos vivendo desavergonhadamente em mansões para as quais nunca teriam renda e patrimônio. Gastos pornográficos e infinitos nos cartões corporativos. Cerimônias de autoexaltação com militares fardados em trajes de gala. Voltinhas de jet ski no Lago Paranoá. Imóveis adquiridos por preços suspeitos. Armas e mais armas. Além do discurso lobista das armas. Quer feijão? Então é um idiota. Deveria mesmo era querer fuzil.
E no seio do povo a desesperança é generalizada. São gritos, ódio, repetições enjoativas, teses delirantes, ameaças, enfim. E nesse ritmo aceleram a fome, o desemprego, a carestia, a morte e a apatia. A vilania de quem adotou isso como forma de viver chega ao ponto de atacar o padre Júlio Lancellotti. Quem elege este pároco inimigo e aplaude as virtudes de um clã maléfico por essência já perdeu a veia do que é viver e existir.
A insistência numa tal polarização de extremos equivalentes é outro elemento que paulatinamente vai cansando. Há quem veja num polo oposto, entre aqueles que rejeitam o dantesco rótulo de patriotas admiradores fome, apenas “comunistas”. Apresentar indignação com a fanfarronice de um grupelho lunático que chupa até o caroço do erário público ainda atrai críticas de uma caterva enfeitiçada.
Parece que a fatura chegou e veio com valores impagáveis, ainda que já a estejamos pagando. A aventura de acreditar nessa turba e de pôr em suas mãos a própria vida terá que nos servir como uma das maiores lições que nos ensine o quanto o ódio irracional é um bumerangue traiçoeiro.
O preço está alto. Muito alto.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.