“Conversávamos por horas intermináveis, trocas intensas, estávamos curtindo, fazendo planos, até que do nada ele desapareceu. Nunca mais falou comigo.”
Este relato poderia ser uma história minha ou sua e ele nos leva a uma reflexão sobre o que atualmente nos referimos como GHOSTING, que é a maneira que muitas pessoas escolhem de (não) lidar com seus afetos e conflitos simplesmente desaparecendo da vida do outro, sem qualquer explicação, tal qual fantasmas.
A prática pode não ser recente, mas o termo é relativamente novo porque com o surgimento dos aplicativos de relacionamento, como o Tinder e outros, parece aumentar a sensação de que da mesma forma que é muito fácil se conectar ao maior número de pessoas usando apenas a tela do celular é também muito simples desconectar-se de qualquer uma delas. O problema é que esquecemos que do outro lado da tela há alguém real.
Entrevistei recentemente a psiquiatra e escritora Natália Timerman, que lançou no ano passado o livro Copo Vazio, que retrata a história da Mirela, uma arquiteta que se vê devastada com o sumiço de Pedro, o homem com quem estava se relacionando até que simplesmente desaparece sem dizer o porquê, deixando-a num vácuo preenchido de angústias e perguntas sem respostas.
Mirela é uma mulher bem sucedida, moderna, tem amigos, faz terapia, é uma mulher feminista. Então, como se permitiu ser consumida pelo sentimento de abandono, de rejeição, de perda de identidade e de rumo diante de Pedro? Essa é uma pergunta que muitas de nós nos fazemos. Como, apesar de todos os avanços das pautas feministas, ainda sucumbimos diante da sensação nada racional de que precisamos de alguém ao nosso lado para validar nossa existência, de que a vida torna-se incompleta se não estamos com aquela pessoa?
Como Mirela, pensávamos que estaríamos blindadas deste tipo de sentimento pelo simples fato de termos criado consciência a respeito do assunto. É claro que isso já é um grande passo, mas ainda não parece suficiente diante do fato de que o abandono e a rejeição masculina ainda são elementos fortemente capazes de nos tirar do eixo e provocar dores e traumas para toda uma vida, muitas vezes.
Por que, então, ainda nos sentimos tão desamparadas quando não estamos em um relacionamento amoroso?
Não tenho todas as respostas, mas uma coisa é fato: ainda ronda em nosso inconsciente, enquanto mulheres, a ideia de que estar com o outro é uma escolha mais do outro do que nossa. Afinal, numa relação heterossexual quem pede quem em namoro ou casamento? Quem normalmente decide os rumos da relação, o homem ou a mulher? É como se estivéssemos em vitrines e prateleiras aguardando ávidas pela nossa chance de sermos escolhidas. E quantas vezes nos perguntamos honestamente se queremos estar naquela relação ou se apenas queremos/precisamos ser escolhidas para sentirmos que somos “escolhíveis”?
Os homens, por outro lado, nesta posição de quem escolhe, seguem performando a indiferença, pelo poder que isso lhes confere, o de ter o controle da situação, porque aprenderam desde cedo que relacionamentos podem ser perigosos por deixá-los vulneráveis, coisa que muitos deles têm verdadeiro pavor. Logo, atitudes como o GHOSTING tornam-se uma prática usual para evitar qualquer comunicação que possa colocá-los neste estado de vulnerabilidade.
Acontece que para amar é preciso estar vulnerável, é preciso estar aberto ao sentir. Sem isso o amor não floresce e não há nada a se lamentar mais do que um amor que morre antes de florescer porque faltou rega.
Por isso, jamais aconselharia alguém a tentar sentir menos diante dos tropeços da vida, pelo contrário, diria para sentir mais, pois somente nos permitindo sentir é que somos capazes de compreender aquilo que nos atravessa.
Assim, lamento a dor de ser abandonada sem qualquer explicação que Mirela sentiu, e que é a dor de muitas mulheres, mas lamento também a incapacidade de Pedro e tantos homens de lidarem com seus afetos e, por consequência, perderem o que há de melhor no que a vida pode nos oferecer: o sentir, onde se inclui o amar.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.